Enquanto cientistas e autoridades de saúde em todo o mundo correm para entender e combater um novo tipo de coronavírus, boatos e correntes nas redes sociais espalham a ideia de que haveria uma arma poderosa e ao alcance de todos na prevenção ao vírus, mesmo em locais sem infecções confirmadas como o Brasil.
De acordo com artigos e vídeos divulgados nas redes sociais, trata-se da vitamina D — em forma de suplementos, injeção ou da simples exposição diária ao sol, a depender do boato. Segundo estes, ela contribuiria na prevenção ao coronavírus ao fortalecer o sistema imunológico (o sistema de defesa do corpo).
Alguns destes boatos aos quais à BBC News Brasil teve acesso têm tom excessivamente alarmista, por vezes apocalíptico e com a ideia de que haveria informações sendo ocultadas da população. (Confira alguns de nossos textos e vídeos com dicas sobre como identificar notícias falsas).
Essas recomendações já foram refutadas pelo Ministério da Saúde, que afirmou: “Até o momento, não há nenhum medicamento específico ou vacina que possa prevenir a infecção pelo novo coronavírus.”
Em linhas gerais, as recomendações do ministério em relação ao novo coronavírus seguem o que vem sendo divulgado internacionalmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS): lavar recorrentemente as mãos; usar lenço descartável na higiene nasal; cobrir nariz e boca ao espirrar e tossir; evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca; evitar contato próximo com pessoas com infecções respiratórias agudas ou que apresentem sintomas da doença; entre outros.
A Sociedade Brasileira de Infectologia também publicou uma nota no último dia 7 sobre fake news referentes à vitamina D, afirmando que “jamais” a entidade publicou que “preconiza o reforço de imunidade como a única estratégia preventiva contra a infecção pelo coronavírus”, tampouco a recomendação de “imunomodulação usando vitamina D em dose alta e injetável”, conforme indicaram alguns boatos.
Hoje, a recomendação para uso de suplemento de vitamina D, em forma de comprimidos por exemplo, é feita apenas para grupos de risco de deficiência desta substância, e, mesmo assim, após exames, consultas e prescrição médica. A recomendação é motivada principalmente por aquele que é o papel mais conhecido e essencial da vitamina D: ela participa da absorção do cálcio pelo organismo, contribuindo assim para a saúde dos ossos.
Estão incluídos nos grupos de risco para carência da vitamina D, segundo o mais recente posicionamento das sociedades brasileiras de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), idosos com mais de 60 anos; gestantes e lactantes; pessoas com osteoporose; pessoas com as chamadas doenças osteometabólicas, como raquitismo; entre outros. “Cientificamente, a gente não está autorizado a usar vitamina D fora da prevenção de doenças ósseas, de quedas de idosos e na população de risco. Se não tem evidência científica de que há benefícios (para o público em geral), não está autorizado”, resumiu à BBC News Brasil José Antonio Miguel Marcondes, endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Mas se, para alguns grupos, a ingestão de suplementos é recomendada, não se pode esquecer que a vitamina D também pode — e deve — chegar a todos através das vias “naturais”: principalmente a partir da pele exposta ao sol e, em menor medida, através da alimentação.
Mas a vitamina D fortalece o sistema imunológico?
Mas, afinal, a vitamina D pode ajudar no fortalecimento do sistema imunológico — inclusive diante de doenças respiratórias virais, como o novo coronavírus?
Pelos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a ciência ainda não encontrou uma resposta clara a essa pergunta — e, por isso mesmo, não veem evidências para recomendar seu uso no reforço do sistema imunológico.
Marcondes explica que, apesar do nome, a vitamina D é um hormônio. Ela se liga a receptores próprios para estes hormônios dentro das células — “como se fosse um interruptor: uma vez que há esta ligação (hormônio e receptor), dispara-se uma série de eventos”, explica o endocrinologista. “Existem algumas células do sistema imunológico que têm receptor de vitamina D. Então, ela pode ter algum papel na defesa, mas qual papel é esse, se é significativo ou não, não há evidências suficientes. É um assunto bastante discutido.””A questão do coronavírus, pode ser que no futuro a gente venha a conhecer (um papel), mas no momento não tem dados para sugerir dose de vitamina D.”
Portanto, mais uma vez: não havendo comprovação científica de benefícios ou de dosagem segura (há efeitos colaterais com a ingestão excessiva de vitamina D, como náusea e cálculo renal), não há recomendação médica.
Lúcia de Fátima Campos Pedrosa, nutricionista e professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explicou à BBC News Brasil que, além da saúde óssea e do sistema de defesa, pesquisadores vêm testando as fronteiras da vitamina D em várias outras áreas. A própria Pedrosa coordena há alguns anos um projeto de pesquisa que acompanha níveis de vitamina D em pacientes com síndrome metabólica. “A função clássica da vitamina D era relacionada ao metabolismo ósseo. Com a evolução das pesquisas, percebeu-se que sua atuação não está somente nisso: existem receptores em outros tecidos, no cérebro, músculos, nos adipócitos…”, exemplifica. “Era como se nosso organismo, de modo geral, estivesse preparado para acatar essa vitamina D. E no nosso organismo, tudo tem uma explicação. Se eu tenho um receptor para vitamina D, é porque aquele tecido precisa desse nutriente”, diz, apontando que há pesquisas investigando o papel da vitamina D na diabetes, doenças neurológicas, cardiovasculares, alguns tipos de câncer, entre outras condições.
O problema é que, por motivos também ainda em estudo, a deficiência de vitamina D (ou hipovitaminose) é um problema no Brasil e no mundo — ainda mais em países de maior latitude e com invernos severos, pois há menos exposição ao sol. Mas isto não é mais apenas uma preocupação em países frios.
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