O vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou nesta terça-feira (12), durante o seminário “Beyond Fake News – Em Busca de Soluções”, organizado pela BBC em São Paulo, que as as eleições do ano passado foram as que registraram a maior quantidade de informações falsas já vista.
“Nunca tivemos uma eleição com tamanha desordem informativa, com tantas fontes diferentes, com tanto modo de circulação. Sem sombra de dúvidas, foram as eleições com a maior quantidade de fontes de informação e com a máxima velocidade e circulação de informações de todo tipo de natureza. O que antigamente era um folheto apócrifo, desta vez circulou pelo Whatsapp. O que antigamente era uma fofoca de ouvido, desta vez foi um filminho feito contra um candidato”, disse.
Segundo Humberto Jacques de Medeiros, “mudou a qualidade e a velocidade, mas não a essência do que a política de baixo nível tem nas disputas excessivamente apaixonadas”. “E é isso que o eleitorado está refletindo e criticando e a gente imagina que, sim, sejam necessárias evoluções de regulamentação para que isso possa ser reduzido ou no mínimo minorado, para que não se desvie o foco das discussões efetivamente necessárias para as eleições”, disse.
“O eleitorado ficou gastando sua energia com iscas vãs e o que era efetivamente necessário não ocupou a pauta das decisões dos eleitores. Mas isso é típico da chamada pós-democracia. As pós-democracias são processos onde os contendores conseguem conduzir a contenda para certo ponto, envolver o eleitorado naquele ponto e impedir que discussão da sociedade alcance aqueles que eles não querem que sejam debatidos. É parte da democracia do século 21.”
Medeiros disse ainda que o Ministério Público Federal investiga o mecanismo por trás da disseminação de mensagens falsas nas últimas eleições. “Isso tudo não está concluído ainda, mas o foco principal da apuração não gira ao redor da intriga trocada em Whatsapp, mas em coisas mais sofisticadas como Cambridge Analytics, a projeção no Brasil de técnicas de targeting e manipulação de eleitorado.”
“Daria para vocês uma entrevista do 'The Guardian' em que um filósofo israelense que diz que um supercomputador com um algoritmo varrendo as suas redes pessoais e o seu e-mail consegue fazer você decidir algo achando que é sua livre escolha quando na verdade é pura manipulação que ele fez, porque, na verdade, ele sabe mais de você do que você mesmo sabe. Isso, sim, é algo perigoso e que coloca em risco a democracia.”
O procurador pregou durante o seminário que o Estado se abstenha de interferir no debate político. Ele disse considerar que o trecho da legislação que permite o cancelamento de eleições em caso de fraude tem inspiração autoritária, da época da ditadura militar.
“O Código Eleitoral prevê uma possibilidade da anulação de uma eleição por uma absoluta manipulação que poderia haver do processe eleitoral, mas valeria a pena refletir quem escreveu esse artigo. Esse artigo da lei foi escrito pela ditadura. E a preocupação dela não era com fake news, ao contrário. 'Se eu não ganhar as eleições que eu promovo, é porque houve uma manipulação e eu as anularei'. A gênese desse artigo não é a mais feliz.”
Imprensa livre
O diretor do BBC World Service Group, Jamie Angus, também falou no evento. Ele disse que uma imprensa livre é a melhor arma contra a desinformação.
“Precisamos oferecer alternativas para as fake news, para os bots, para a desinformação. Precisamos continuar a oferecer a verdade, com transparência e abertura, superando o desafio de unir e não de dividir nossa audiência”, disse Angus.
“Precisamos reafirmar e valorizar a liberdade de imprensa – um imprensa vibrante e livre que apoia a liberdade de expressão é a melhor arma contra as fake news”, afirmou.
Questionado sobre o tuíte do presidente Jair Bolsonaro acerca da jornalista do ‘Estado de S.Paulo’ Constança Rezende e de como políticos podem espalhar mensagens falsas, Angus afirmou: “Todo mundo está falando sobre essa história no Brasil. Eu acho que agora é demais esperar que o gênio seja colocado de volta na garrafa. Eu acho que é demais esperar que o mundo político volte ao que era antes. E esperar que todo político ao redor do mundo pare de usar notícias falsas para apoiar suas campanhas políticas. Acho que podemos desejar que o mundo fosse diferente, que voltasse a ser do jeito que era. Mas ele não vai voltar a ser o que era. Eu acho que todo mundo tem que aceitar isso. Eu acho que é tentador para os líderes políticos, não apenas aqui no Brasil, mas em todo o mundo, usar o rótulo de ‘fake news’ como forma de criticar a cobertura da mídia, a boa, autêntica e apropriada cobertura da imprensa”.
O diretor do World Service Group da BBC, Jamie Angus, durante seminário em SP — Foto: Roney Domingos/ G1 O diretor do World Service Group da BBC, Jamie Angus, durante seminário em SP — Foto: Roney Domingos/ G1
O diretor do World Service Group da BBC, Jamie Angus, durante seminário em SP — Foto: Roney Domingos/ G1
Teorias conspiratórias
Yasodara Córdova, pesquisadora sênior na Digital Kennedy School, pediu atenção para teorias conspiratórias, que, segundo ela, podem sofrer um banho de loja e repentinamente se tornarem críveis.
“Eu acho que todas as teorias conspiratórias estão esperando o isqueiro para acender a gasolina da explosão. Se eu puder fazer um apelo para os jornalistas é para ter um olhar carinhoso com as teorias conspiratórias porque, além de ridículas, elas podem sofrer um banho de loja e se tornarem teorias completamente críveis. Meu filho tem 11 anos e a gente ri muito no Youtube, mas eu sou uma mãe que ri com o filho de teorias conspiratórias. Tem outras que acreditam. Tem a Anaconda gigante comendo pessoas, tem os reptilianos. Tem várias delas. E de repente elas sofrem um revival e de repente algum maluco acredita que quem está do seu lado é um reptiliano”, disse.
“Eu trabalhei nas eleições e durante as eleições a gente teve vários revivals dessas teorias. As teorias de fraude nas urnas eletrônicas vêm de 2004. Então, quanto mais cedo a gente entender que na internet tudo pode virar uma confusão muito grande, um apelo para os jornalistas que estão aqui.”
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