Um dos temas que promete
movimentar o Senado neste segundo semestre é o projeto de lei que trata do
marco temporal para demarcação de terras indígenas (PL 490/2007). A matéria foi
aprovada na Câmara dos Deputados no final do mês de maio e enviada ao Senado,
onde passou a tramitar como PL 2.903/2023. O texto está em análise na Comissão
de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), sob relatoria da senadora Soraya
Thronicke (Podemos-MS). Depois de passar pela CRA, ainda deverá seguir para
exame da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A proposta é polêmica por
restringir a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente
ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da
Constituição Federal. Os opositores ao texto temem que a proteção aos povos indígenas
e ao meio ambiente fique prejudicada, enquanto os defensores apontam que a
matéria pode trazer segurança jurídica e incentivar a produção agropecuária.
Segundo o projeto, de iniciativa
do ex-deputado Homero Pereira (1955–2013), para serem consideradas terras
tradicionalmente ocupadas, deverá ser comprovado objetivamente que, na data de
promulgação da Constituição, essas áreas eram ao mesmo tempo habitadas em
caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à
preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
Soraya Thronicke já disse que
pretende votar a matéria na CRA na primeira semana de agosto e informou que tem
conversado com o governo sobre o projeto. Ela lembrou que o Supremo Tribunal
Federal (STF) também está debatendo o assunto. Segundo a senadora, a situação
exige um trabalho conjunto, já que existe uma “insatisfação de todas as partes”
interessadas no marco temporal. Apesar de reconhecer a dificuldade de consenso
em relação ao projeto, a senadora promete esforço nesse sentido.
— Entendo que precisamos
trabalhar juntos para atingir o objetivo que é satisfazer todas as partes
envolvidas. E pra isso, eu não vou poupar esforços — declarou a relatora, em
entrevista à TV Senado.
Debates
O marco temporal tem sido tema de
audiências públicas e de discursos no Senado. Em um debate na Comissão de
Direitos Humanos (CDH) no final do mês de junho, os debatedores classificaram o
projeto como inconstitucional. Segundo os especialistas que participaram da audiência,
a Constituição de 1988 não determina um “marco temporal” para que um
território possa ser demarcado como indígena, o que faz com que o projeto possa
ser entendido como inconstitucional.
No Plenário, alguns senadores
também já se manifestaram. Ao citar o julgamento do marco temporal no STF, o
senador Marcos Rogério (PL-RO) demonstrou preocupação com o direito de
propriedade. Já o senador Jaime Bagattoli (PL-RR) pediu urgência na votação da
matéria.
— Esse marco temporal precisa ser
votado. Nós sabemos que nós temos que respeitar os nossos indígenas, mas também
nós precisamos entender que nós não podemos causar um problema, causar uma
guerra no campo sobre as propriedades que estão lá há mais de cem anos, com
títulos e que foram escrituradas. Esses produtores têm direito também a suas
propriedades — afirmou o senador, em discurso no final do mês passado.
STF
O Supremo Tribunal Federal (STF)
também analisa o assunto, para definir se a promulgação da Constituição pode
servir como marco temporal para essa finalidade — entendimento aplicado quando
da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
A definição estava prevista para
a sessão do último dia 7 de junho, mas o ministro André Mendonça pediu vistas
da matéria. Conforme notícia do site do STF, Mendonça disse que devolverá o
processo em prazo hábil para que a ministra Rosa Weber possa proferir seu voto,
tendo em vista que ela se aposenta até 2 de outubro. Segundo o Regimento
Interno do STF, em pedidos de vista, os processos ficam automaticamente
liberados para voltar a julgamento após 90 dias.
Na ocasião, o ministro Alexandre
de Moraes foi o único a votar. Ao se posicionar contrário à tese do marco
temporal, ele disse considerar que a data da promulgação da Constituição não
pode ser utilizada como ponto de definição da ocupação tradicional da terra por
comunidades indígenas.
Até o momento, há dois votos
nesse sentido e um a favor da tese do marco temporal. Em setembro de 2021, o
relator, ministro Edson Fachin, afirmou que o direito à terra pelas comunidades
indígenas deve prevalecer, ainda que elas não estivessem no local na data de
promulgação da Constituição. Em sentido contrário, o ministro Nunes Marques
entendeu que essa data deve prevalecer.
deixe seu comentário