Os pagamentos irregulares feitos pela Celesc à empresa de cobrança terceirizada Monreal ultrapassam R$ 200 milhões, segundo o Ministério Público de Santa Catarina, onde vários inquéritos civis investigam a estatal catarinense.O montante é quatro vezes maior do que o apontado pela auditoria KPMG — R$ 51,7 milhões —, no ano passado, quando o Diário Catarinense fez a denúncia que resultou na abertura da investigação. Desde então, nada foi divulgado sobre o assunto, alvo de inquérito administrativo interno e também de investigação policial.
A Monreal é uma empresa de cobrança que foi contratada pela Celesc para recuperar faturas vencidas. Participou de licitação e venceu a concorrência porque ofereceu a menor comissão — 13,85% — sobre os valores recuperados.
O contrato entre as duas empresas, de 2003, era bastante específico e cabia à Celesc enviar lotes de inadimplentes para que a Monreal, em seis meses, tentasse cobrar os devedores.
Passado este período, mesmo que qualquer dívida daquele lote fosse quitada, a Monreal não mais receberia sua comissão. O valor das contas atrasadas somava R$ 43,8 milhões e o contrato limitava o pagamento em R$ 6 milhões, relativos à comissão de 13,85% do total. À Monreal cabia enviar um relatório quinzenal das suas atividades, sob pena de suspensão do contrato, que só permitia quatro prorrogações.
Segundo o promotor da Moralidade Administrativa Aor Steffens Miranda, o inquérito é tão complexo que foi desmembrado em três. Para o principal, que trata do contrato entre as empresas, a Celesc tem prazo até dia 25 de junho para entregar documentos, solicitados para comprovar a regularidade do primeiro ano de vigência.
Isso porque, a partir do primeiro aditivo, feito em dezembro de 2004, com o objetivo de prorrogar a relação comercial por mais um ano, já foram identificadas irregularidades passíveis de anular todo o contrato, segundo o promotor.
— No edital, uma das prerrogativas era de que a comissão não fosse reajustada. No primeiro aditivo, foi feita uma tabela com vários índices que variavam conforme o tempo de inadimplência. Só isso já permite anular o contrato. E não recebemos ainda os relatórios quinzenais da Monreal à Celesc. Se o primeiro relatório, dos 15 dias iniciais, não for entregue, todo o contrato é passível de suspensão — explica Steffens.
Mudança dos prazos viola o que estava previsto no edital
Outro fator que também pode anular o contrato é que ele previa algo que foi executado de forma diferente. No edital, o valor de faturas vencidas era fechado em R$ 43,8 milhões, e o pagamento à empresa, limitado a R$ 6 milhões, mesmo ao longo dos cinco anos possíveis (um mais quatro de prorrogação) de vigência.
Mas, ao longo dos vários aditivos e prorrogações, outras faturas inadimplentes foram incluídas nos lotes enviados à Monreal para cobrança, com posterior pagamento de comissão (mesmo que a terceirizada não fizesse nada para cobrar os clientes), com atraso nas contas por 90, 60 e, finalmente, apenas 45 dias.
— Além disso, o contrato só permitia quatro prorrogações e foram feitas cinco. Portanto, tenho fundada suspeita de que todo o contrato entre Monreal e Celesc é irregular. E todo o montante pago, que passa de R$ 200 milhões, sem correção monetária desde 2003, deve ser ressarcido à estatal. Se a promotoria ganhar a ação, tanto a Monreal quanto os presidentes, diretores e gestores deste contrato da Celesc deverão devolver dinheiro à empresa — afirma.
Investigada por todos os lados
Além do inquérito específico sobre o contrato da Monreal como empresa de cobrança, o Ministério Público de SC também investiga as contratações, sem licitação, da terceirizada para recuperar a rede energia elétrica do Vale do Itajaí durante a enchente de 2008, e da consultoria KPMG para auditar a relação com a Monreal.
A compra de 23 mil medidores analógicos praticamente obsoletos e o pagamento de quase R$ 20 milhões em multas e juros por usar um empréstimo de R$ 50 milhões da Eletrobras para outros fins que não os firmados em contrato (para recuperar os estragos da enchente de 2008) também são alvos de investigação.
— Ainda aguardamos documentos para os inquéritos e também para descobrir quem é a empresa Dogma. Mas já é possível dizer que apenas o contrato sem licitação da KPMG para auditar a relação Celesc/Monreal não deve resultar em ação — adianta Aor Steffens Miranda, da Promotoria da Moralidade Administrativa.
A Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) também está investigando o caso Celesc/Monreal. Segundo o diretor da Deic, Laurito Akira Sato, o MP só verifica a questão da improbidade administrativa para identificar as irregularidades e também levantar o montante que deve ser ressarcido. Cabe à polícia civil apurar se houve crime e quem são os responsáveis por ele.
—Por enquanto, estamos fazendo apenas as diligências administrativas. O inquérito ainda não está concluído — resume o delegado.
O atual presidente da Celesc, Antonio Gavazzoni, cuja gestão não é responsável pelos alvos dos processos, todos assinados por ex-presidentes da estatal, prefere não se manifestar. Gavazzoni e os conselhos da Celesc instauraram um inquérito administrativo interno logo que o assunto veio à tona, mas nada foi divulgado desde então porque, segundo Gavazzoni, o processo corre em sigilo.
Inquérito interno ainda não terminou
—Nós cumprimos tudo o que nos é pedido. Se o MP pediu mais documentos, a Celesc deve encaminhá-los dentro do prazo (25 de junho). Mas eu só posso falar sobre o assunto Monreal depois que o inquérito administrativo interno, que está sendo conduzido pelos dois conselhos da Celesc (fiscal e de administração), for concluído, o que deve ocorrer em breve. Mas o MP tem competências que nós não temos — diz.
Para o advogado da Monreal, Joel de Menezes Niebuhr, o MP estadual está fazendo a sua parte. Segundo ele, já era esperado que a Promotoria da Moralidade Administrativa entrasse com uma ação contra os aditivos do contrato entre as duas empresas.
—Isso eu já sabia. No momento oportuno, vamos nos pronunciar. Quando o MP ingressar com a ação e se a Justiça aceitar, nós seremos citados e então apresentaremos a nossa defesa. Sobre o inquérito policial, a Monreal não recebeu nenhuma denúncia formal e nenhuma acusação oficial — afirma o advogado.
No Tribunal de Contas do Estado (TCE), são 92 processos envolvendo o nome da Celesc. A grande maioria é relativa à prestação anual de contas, mas vários processos dizem respeito a dispensas suspeitas de licitação.
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