Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
Responsável pela logística de ocupação da rede hospitalar em Santa Catarina, o superintendente de Regulação da Secretaria de Estado da Saúde, médico Ramon Tartari, acompanha de perto a pressão que a nova onda da pandemia tem causado sobre o sistema de saúde. Esta semana ele afirmou, em audiência pública na Alesc, que não pode regular leitos que já não existem à disposição.
Em entrevista à coluna, Tartari diz que o perfil das pessoas que chegam às UTIs mudou ao longo das últimas semanas: são mais jovens, mais graves, e a maioria não tem nenhuma doença préexistente. O superintendente confirma a fila de espera por um leito de terapia intensiva no Estado, que na sexta-feira tinha mais de 70 pessoas, e faz um alerta: o cenário ainda é de aceleração, em todas as regiões de Santa Catarina.
Entrevista: Ramon Tartari
Qual o cenário dos leitos hoje em SC?
Entramos no período da manhã com 78 solicitações de UTI excedentes. Estamos com os hospitais sem leitos de UTI, eventualmente aparecem leitos no sistema, mas são leitos virtuais, porque imediatamente são ocupados por outros pacientes. “Viemos desde segunda para terça-feira com leitos excedentes no sistema, pacientes que estão aguardando pelo leito de UTI”.
Os leitos que são liberados são de pessoas que deixam a UTI? São de óbitos?
Sim, são pacientes que recebem alta da UTI por melhora, a maioria, e são deslocados para enfermarias, para leitos de cuidado intermediário, oportunizando a vaga para um próximo paciente. E também, em alguns casos, infelizmente, por óbito de pacientes.
Ontem publicamos que havia pessoas com respirador internadas em corredor. Essa situação persiste?
Sim, persiste. São esses pacientes (os 78 da fila de espera) que estão fora das portas das UTIs que compõem esse numérico que aguarda por leitos. Eles estão assistidos de alguma forma, porque os grandes hospitais costumam ter muito mais equipamentos, respiradores, do que propriamente aqueles que existem dentro da UTI. Os profissionais acabam assistindo os pacientes fora do ambiente de UTI, seja na própria emergência hospitalar, onde permanecem um, dois, três dias, intubados alguns, em leitos clínicos, em enfermarias, e até mesmo, em algumas situações, aguardando nas unidades de pronto atendimento 24 horas para serem removidos aos hospitais.
Qual a situação dos leitos de enfermaria? Também tem demanda reprimida?
Não, neste momento temos taxa de ocupação bastante elevada também nos leitos de enfermaria, mas esses leitos são mais fáceis de serem ampliados na rede hospitalar. A gente vem fazendo isso em todo o Estado, ampliando leitos de UTI e enfermaria. Temos buscado novos hospitais, e aqueles que já tinham leitos de enfermaria, aos quais damos o nome de retaguarda Covid, para ampliar leitos.
Os médicos que estão trabalhando nas UTIs relatam o fato de termos pacientes mais jovens. É isso o que se observa nas UTIs de SC?
É isso. Nós observamos desde o início dessa nova onda, que começou pelo Grande Oeste, na ultima semana de janeiro, primeira semana de fevereiro, sentimos uma modificação no gráfico de tendência. A partir dali, percebemos um afluxo acelerado de pacientes nas emergências hospitalares com perfil mais jovem, muitos na faixa etária entre 40 e 50 anos, entre 50 e 60 anos.
É uma mudança no perfil de pacientes, são pacientes que sequer têm comorbidades e estão chegando muito graves, num volume muito grande.
Por conta disso, se compreende hoje estamos diante da circulação intensa de novas variantes do coronavírus no estado de Santa Catarina, que são variantes com maior poder de transmissibilidade.
Outra informação é que pacientes estão agravando num período mais curto, em três ou quatro dias. Confere?
O que confere neste momento é que, proporcionalmente ao numero de pacientes adoecidos, nos temos um maior número de pacientes graves, quando comparamos com outros momentos da pandemia. Tivemos pelo menos outros dois momentos (graves) nessa pandemia, um no final de julho, início de agosto, e outro no final de novembro, início de dezembro, que foram momentos mais agudos de crescimento. Mas, naquele momento, quando cruzávamos o número total de adoecidos pelo coronavírus com o número de graves, não tínhamos uma proporção tão grande quanto temos agora de pacientes graves.
Como SC está em relação aos insumos, como oxigênio e kits de intubação? Há estoques suficientes?
Nós temos alertado todos os hospitais. SC tem uma rede hospitalar robusta, mas parte dela está sob gestão de municípios, não do Estado propriamente dito. Temos alertado aos gestores municipais, aos diretores hospitalares, que se abasteçam o máximo possível de insumos, como oxigênio, medicamentos, principalmente os relacionados aos kits de intubação, que são anestésicos intravenosos e bloqueadores neuromusculares, muito demandados para manter o paciente sedado, suportando a intubação. Temos insistido muito nesse cuidado com o abastecimento. Os valores estão majorados, de medicamentos, insumos, materiais de enfermagem, EPIs, como máscaras, aventais, gorro.
Os hospitais nos relatam alguma dificuldade de compra, demora no fornecimento, e por conta disso solicitamos um grande cuidado no abastecimento, para não incorrer no mesmo problema que vimos em outros locais, como Manaus.
Neste momento, não existe falta absoluta, em SC, de oxigênio ou de medicamentos. O que existe é uma ou outra informação, de alguns poucos hospitais, que estariam já com estoque um pouco reduzido. Porém não há falta, não há desassistência de paciente por conta disso.
Alguma região chama atenção em relação a isso?
Não, são hospitais específicos.
Alguns informam que teriam estoque para mais 15, mais 20 dias. A gente chama de estoque crítico.
Nesses, estamos fazendo alerta para que os responsáveis pela manutenção do fornecimento prestem atenção para que não venha a ocorrer a absoluta falta.
Falou-se sobre mudanças de protocolo para liberar com mais rapidez os leitos de UTI. Isso está ocorrendo, ou pode ocorrer?
É bem importante deixar isso claro. Há 15 ou 20 dias nós fizemos uma vistoria em todas as unidades hospitalares do Estado. Em alguns casos pontuais, identificamos pacientes ainda internados em UTI que já tinham critério clinico para serem remanejados para leito de enfermaria ou leito intermediário. Alguns que sequer estavam usando oxigênio, ou que estavam usando apenas com catéter. Temos enfatizado a todos os profissionais, as equipes médicas, os intensivistas, que sejam bastante criteriosos nesse aspecto. Assim que possível, que o paciente apresente melhora clínica, que suporte sair do leito de UTI e ir para um leito intermediário ou de enfermaria, ele seja remanejado para dar vaga para um paciente mais grave.
A falta de leitos teria feito pacientes serem mantidos em ambulâncias, com ventilação mecânica. O senhor confirma?
Não temos essa informação na Superintendência de Regulação. O que experimentamos, em alguns momentos pontuais nesta semana, foram momentos em que as emergências hospitalares estavam completamente lotadas, e o fluxo de ambulâncias trazendo novos pacientes acaba, por algum período, mantendo o paciente retido na ambulância. Mas isso por minutos, ou por hora. Não por dias, como se o paciente estivesse de fato internado na ambulância.
Qual o cenário que o senhor visualiza para nosso sistema de saúde nos próximos dias?
Estamos numa corrida contra o tempo, na medida em que novos pacientes adoecem gravemente. Estamos buscamos a ampliação de leitos, mas também estamos defendendo que que essa não pode ser a única frente de trabalho, a única estratégia. É preciso, é necessário sim, como o governador já decretou, e tantos prefeitos estão decretando, medidas restritivas.
Talvez a necessidade de medidas ainda mais restritivas possa ocorrer.
O cenário para os próximos dias não é bom, não temos, neste momento, gráfico de tendência de diminuição, de declínio. Estamos ainda num gráfico ascendente de casos. Até mesmo onde começou mais intensamente, que foi pelo Grande Oeste, não temos ainda um gráfico estável ou em declínio. E, nas outras regiões, começou um pouco depois.
Então, o cenário para os próximos dias é ainda de muitas novas internações.
Que recado o senhor daria para os catarinenses?
Estamos clamando pela consciência das pessoas, para que se conscientizem de que um momento de diversão, entretenimento, aglomeração, pode refletir num contágio da própria pessoa ou de familiares. Alguns podem adoecer gravemente e, num cenário como nós estamos, muitos pacientes acabam obituando. Não é por uma questão de desassistência, mas pela gravidade dessa doença em algumas pessoas. Que cada um consiga desenvolver a empatia, se conscientizar de que esse é o momento para circular menos, apenas o necessário, para que tenhamos um aumento do distanciamento social. Isso diminui, atenua a transmissão do vírus entre as pessoas. Menos pessoas adoecem e, com isso, conseguimos suportar o atendimento e manter a assistência a todos.
O senhor disse mais de uma vez na audiência pública da Alesc, esta semana, que a regulação estava “regulando algo que não existe”. Como se regula leitos que não estão mais disponíveis?
É uma frase forte, mas é a realidade. A regulação trabalha com o que existe. Se não tenho um leito, não tenho como regular.
“Não é possível regular um recurso que não existe. Temos defendido isso. Assim como temos defendido que as ações precisam ser imediatas ou em curtíssimo prazo, porque o problema é presente”.
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