Os esquecidos ‘da Farroupilha’
Última atualização 25 de setembro de 2015 - 16:35:34
A cidade está ‘enfeitada’. Desse jeito, fantasiada de gaúcho. O que por um lado parece divertido, creio que também deveria ser analisado com um olhar crítico para os acontecimentos deste setembro. Costumo dizer que lá em casa nÃo celebram o dia do Gaúcho neste endeusamento social que tanto se faz. Minha mÃe nÃo veste “bombachita” da cultura industrial massificada, nem meus irmÃos ouvem as machistas canções dos tal. Meu companheiro também nÃo reproduz esse pesadelo enfeitado com a dor dos peõespobres…e a família toda se volta a pensar no sofrimento que sempre foi servir aos fazendeiros, aos senhoresas que lhes sugou por muito tempo a força de trabalho. Por isso, lá em casa é assim: Recordam-se as vozes esquecidas, os poemas calados na boca dos “menos” …recorda-se a vida e a necessidade de mudança.
Minha família e a de tantosas herdou do endeusamento gaúcho, apenas o chicote e uma história de traiçÃo. As ‘belas’ passeatas feitas com cavalos enfeitados e bandeiras imperiais, disseminam na grande maioria das vezes, por exemplo, o modo machista de se tratar as mulheres, como “fêmeas reprodutoras” e incapazes de falar por si ou de construir equanimidade. Bonito seria se a mulher nÃo precisasse passar a bombacha do companheiro como se fosse sua obrigaçÃo. Se fosse uma construçÃo coletiva de ajuda mútua.
Mas, porque estamos falando disso? De endeusamento gaúcho, traiçÃo, machismo, quando para muitosas, o mês de setembro, onde prevalece a comemoraçÃo da Semana Farroupilha é um momento de puro festejo? Partilho o que o colunista Juremir Machado citou em um dos seus escritos nos últimos dias. Segundo ele, “Até quando deixaremos de falar que milhões de homens sempre souberam da infâmia da escravidÃo? Os escravos. Até quando minimizaremos o fato de que a Farroupilha, com seu lema de “liberdade, igualdade e humanidade”, vendeu negros para se financiar? Até quando deixaremos de enfatizar que os farrapos prometiam liberdade aos negros dos adversários, mas nÃo libertaram os seus? Até quando daremos pouca importância ao fato de que a ConstituiçÃo farroupilha nÃo previa a libertaçÃo dos escravos? Até quando deixaremos de contar em todas as escolas que Bento Gonçalves ao morrer, apenas dois anos depois do fim da guerra civil, deixou mais de 50 escravos aos seus herdeiros? Até quando?
Ao fazer críticasferrenhas aos chamados ‘valores da época’, ele prossegue: “Até quando adularemos os admiradores de um passado que nÃo existiu somente porque as pessoas precisam de mitos e de razões para passar o tempo, reunir-se e vibrar em comum? Até quando os folcloristas sufocarÃo os historiadores? Até quando o mito falará mais alto do que a História? Até quando nÃo se dirá nos jornais que os farroupilhas foram indenizados pelo Império com verbas secretas? Que brigaram pelo dinheiro? Que houve muita corrupçÃo? Que Bento Gonçalves e Neto nÃo eram republicanos quando começaram a rebeliÃo? Que houve degola, sequestros, apropriaçÃo de bens alheios, execuções sumárias, saques, desvio de dinheiro, estupros, divisões internas por causa de tudo isso e processos judiciais?”.
Ao partilhar este pensamento de Juremir, a Coluna Oeste de fato também consolida sua indignaçÃo com a supervalorizaçÃo de uma chamada ‘revoluçÃo’ que dizimou muita gente igual a nós, trabalhadores trabalhadoras, escravosescravas. E ao falar do Gaúcho, dissemina o que o Grupo Desgarrados de SÃo Miguel do Oeste acredita ser a cultura Gaúcha de fato: “Nós precisamos combater esta cultura do gaúcho difundida principalmente pelos CTGs, que dissemina uma ideia de um folclore de peões e patrões, de mulheres subjugadas e sem participaçÃo decisória, de um local geográfico em que nasceu o gaúcho e dele se alimenta. O folclore gaúcho envolve elementos que vieram dos índios, dos negros e caboclos, sÃo heranças das mais diversas e que nÃo podem ser apropriadas por um grupo. A ideia de uma única expressÃo cultural nÃo responde à diversidade da cultura gaúcha”. Até a próxima.
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