O estrondo da porta sendo arrombada acordou o homem apontado pela Polícia Civil de SC como chefe da nova facção criminosa da fronteira com Paraguai e Argentina e base no Oeste catarinense. Israel Arcini Velasques, o Tatu, 27 anos, saiu gritando do quarto em direção a porta de casa, em Passo dos Fortes, mesmo bairro da Central de Polícia.
Velasques estava nu. Fazia calor às 6h desta quinta-feira, dia 19, em Chapecó. Uma equipe da Polícia Civil se apresentou do lado de fora, com o mandado de prisão preventiva por tráfico de drogas na mão. O chefe da quadrilha com atuação numa faixa de 500 quilÔmetros atravessando três estados do Sul terminou de abrir a porta.
— Pensei que íam me matar — falou, mais calmo.
A prisão de Velasques começou a ser construída há quase dois anos pelo titular da Divisão de Investigação Criminal (DIC) de Chapecó, delegado Ronaldo Neckel Moretto e equipe. A investigação culminou na operação de hoje, a Samael (demÔnio na cultura bíblica), com participação de 150 policiais civis e militares e a prisão de 17 pessoas e dois adolescentes.
— Eles são mais que uma quadrilha. São uma organização criminosa, tamanha era a dimensão de sua atuação. E tinham importante ramificação no sistema prisional. Vários traficantes presos eram cooptados. É a gênese de uma nova facção — afirmou o delegado Moretto, experiente policial que trabalhou em investigações complexas na Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Nova facção do Oeste
A nova facção do Oeste de Santa Catarina aproveitou a fragilidade do rival Primeiro Grupo Catarinense (PGC) na região e começou a cooptar detentos no Presídio Masculino e na Penitenciária Agrícola de Chapecó. Ex-traficantes das quadrilhas do Chiesa, do Magrim e da Praça do Passo passaram a integrar a organização.
O grupo que não tem nome oficial paga colégio dos filhos de presos, remédios e advogados para os detentos que podem custar R$ 17 mil. Em troca, os presos cometem crimes para a organização quando ganham liberdade ou benefícios como indulto de Natal. Também pagam um percentual de suas pontos de droga para a nova facção. O valor é variável, de acordo com cada situação.
— O PGC é fraco aqui. Atualmente, essa é disparada a facção mais forte de toda a região Oeste de Santa Catarina — observou o delegado Moretto.
Domínio em território de 500 quilÔmetros
Na facção de Velasques tem gente que pratica homicídio, latrocínio, assalto, estelionato e contrabando. O carro-chefe é o narcotráfico. A organização comandava a venda de cocaína, crack e maconha na região de fronteira com o Paraguai e a Argentina numa faixa de 500 quilÔmetros atravessando os três estados do Sul. Só em Chapecó abasteciam mais de 20 pontos de tráfico.
Foz do Iguaçu e Francisco Beltrão, no Paraná, São Lourenço do Oeste, Chapecó e Pinhalzinho, em Santa Catarina, e Frederico Wesphalen e Nonoai, no Rio Grande do Sul são algumas cidades dominadas pelo grupo, em relação ao tráfico.
Especialização do crime
O delegado Moretto acredita que o grupo tem quase 50 quadrilheiros. Os únicos que negociavam as cargas de meia tonelada de cocaína e maconha por ano eram o chefe Velasques e o número dois do bando: Anderson Rodrigo dos Santos, o Digo, que também foi preso nesta quinta. Velasques e Santos viajavam à Foz do Iguaçu e compravam os carregamentos com outras quadrilhas de atravessadores. Estes compram a droga no Paraguai.
— É a especialização chegando no crime — disse Moretto.
Por semana, compravam cerca de dez quilos de maconha e cocaína, transportados dentro de pneus e botijões de gás. As cargas eram trazidas por “mulas” e dentro de caminhões.
A cúpula da organização só negociava, nunca colocava a mão na droga.
— Foram feitas três abordagens em veículos da organização, em Foz do Iguaçu. Nem um papel de bala foi encontrado. Nem dinheiro, nem uma bituca de maconha, nada. Eles não deixavam rastro. Sempre trabalharam com bastante destreza — contou o chefe da DIC de Chapecó.
Violência e discrição
A nova facção do Oeste começou a ganhar força há cerca de cinco anos. Passou por mudanças no comando até o atual chefe assumir. Israel Velasques foi o ponto de partida para o delegado Ronaldo Neckel Moretto e equipe descobrirem a organização, num trabalho de quase dois anos de inteligência e investigação, em que seis pessoas foram presas por tráfico antes da operação.
— Recebemos a informação solta de que Velasques era traficante, usava um determinado carro e viajava para o Paraguai. Não fazia nem ideia de quem ele era. A partir do contato pessoal com ele em abordagens, e por experiência, percebi que ele está num nível acima do criminoso comum. É um cara inteligente, observador, trabalha com estratégia e é muito cuidadoso — contou Moretto.
Discrição e bom nível de organização são algumascaractéristicas da facção.
— Em público, não se falavam e fingiam não se conhecer. Só conversavam reservadamente. Jamais admitiam a existência da organização. Agiam com muita discrição. Por isso a dificuldade de achar o fio da meada — disse Moretto.
Os quadrilheiros também são conhecidos por sua violência. Dois deles tentaram matar policiais militares durante uma abordagem. Eles foram presos nesta quinta.
A Operação Samael resultou também na apreensão de munições, droga, balanças de precisão, notebooks e celulares. Foram 11 prisões preventivas e seis em flagrante por crimes como tráfico, roubo, homicídio e tentativa de homicídio.
Coordenada pela DIC de Chapecó, a operação teve apoio de policiais civis de São Lourenço do Oeste, Palmitos, Concórdia, São Miguel do Oeste, São Lourenço do Oeste, do canil de Florianópolis, do Saer, e e de policiais militares de Chapecó.
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