A possibilidade de impeachment do governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), e da vice, Daniela Reinehr (sem partido), transforma o presidente da Assembleia Legislativa (Alesc) em peça ainda mais central da política do Estado. O deputado estadual Julio Garcia (PSD) conduziu o processo de impedimento no Parlamento e é o primeiro na linha de sucessão caso o governador e a vice sejam mesmo afastados – a votação no Tribunal de Julgamento do Impeachment deverá ocorrer no próximo dia 23.
Mas não são somente os olhares dos catarinenses que recaem sobre o presidente da Alesc, que ainda este mês pode virar governador. Julio Garcia está no centro da Operação Alcatraz, que investiga possíveis favorecimentos a políticos por meio de licitações que teriam sido fraudadas no governo do Estado. O presidente da Assembleia foi alvo de duas denúncias do Ministério Público Federal (MPF) nos últimos 30 dias. A primeira envolve mais cinco investigados e é relacionada ao crime de lavagem dedinheiro. A segunda acusa o deputado e outras 13 pessoas de corrupção, peculato, fraude em licitação e contrato subsequente, de acordo com a procuradoria.
A Justiça Federal abriu prazo para a defesa e só deve se manifestar sobre aceitar ou não as denúncias na segunda metade de outubro – quando provavelmente a decisão sobre afastamento temporário ou não do governador e da vice já terá sido tomada. As denúncias motivaram também um pedido de afastamento do parlamentar do cargo de presidente da Assembleia.
Julio Garcia foi diretor de crédito do antigo Besc e está no sexto mandato como deputado estadual. Voltou à Alesc após um hiato de quase 10 anos na política partidária, depois de atuar como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC) de 2009 a 2017. Na discussão sobre o impeachment, recebeu críticas do governador Carlos Moisés, mas decidiu adotar tom de neutralidade. Embasou a aceitação do pedido no parecer da procuradoria e se absteve na votação em plenário, tanto no processo contra o governador quanto na ação contra a vice.
Mesmo assim, com o possível desfecho pelo afastamento dos dois, o deputado conhecido pela habilidade na articulação política e pelo respaldo encontrado entre os colegas poderá ter que usá-la num processo de transição de governo. Tudo em meio a um conturbado cenário de denúncias e vazamentos de informações.
As denúncias contra o deputado
Na denúncia mais recente do MPF, Julio Garcia é apontado como suposto “chefe da organização criminosa” que é alvo da força-tarefa. A Operação Alcatraz investiga um grupo que seria composto por funcionários públicos que atuariam para viabilizar fraudes em licitações de setores do governo do Estado, no período de 2009 a 2018. Um segundo núcleo seria formado por empresários, que “participavam das licitações fraudadas, superfaturavam os contratos e pagavam propina aos agentes públicos respectivos”, de acordo com a denúncia. Muitos dos contratos analisados envolveriam aquisições na área de telefonia e tecnologia.
INVESTIGAÇÃO
Justiça nega pedido de Júlio Garcia para que Operação Alcatraz fosse julgada em SC
Segundo a investigação, o atual presidente da Alesc, que na época dos fatos era conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC), supostamente teria interferência em contratações de servidores do Estado e “exercia sem pudor a ‘prerrogativa’ de alcançar nomeações de apadrinhados nos órgãos em que demonstrava interesse”, conforme outro trecho da denúncia.
A suposta relação de Julio com as compras irregulares no governo se daria por meio de duas pessoas que o MPF define como operadores: o ex-secretário-adjunto de Estado da Administração, Nelson Castello Branco Nappi Júnior, e Jefferson Colombo, dono de uma empresa de tecnologia.
Nappi Junior é citado pela investigação como figura central do esquema e como apadrinhado político de Julio Garcia. Ele seria responsável por ajudar a facilitar as fraudes de licitações e intermediar emissão de notas fiscais junto a um escritório de contabilidade para fins de lavagem de dinheiro. Nappi Júnior foi preso quando a operação foi deflagrada, em maio de 2019, e segue em prisão domiciliar. A defesa do ex-secretário nega as acusações.
Já o empresário Jefferson Colombo seria o responsável, de acordo com o MPF, por pagar pelos gastos do deputado Julio Garcia com dinheiro que seria desviado de licitações. A defesa de Colombo informou que se manifestará sobre as acusações nos autos do processo.
Em outro trecho da denúncia, a advogada Michelle Guerra, delatora da Alcatraz, relatou ocasiões em que o ex-secretário e sócio Nappi Júnior teriam chegado ao escritório com altas quantias de dinheiro e “solicitava elásticos, envelopes pardos, sacolas, caixas de uísque, caixas de sapato, para fazer a divisão do dinheiro”, segundo um trecho da denúncia destacado pela coluna Radar, da revista Veja. Esses pagamentos de propina seriam mensais, segundo a delatora, e iriam para o presidente da Alesc e dois ex-governadores de Santa Catarina, Raimundo Colombo e Eduardo Pinho Moreira, que não estão entre os denunciados.
Colombo e Pinho Moreira negaram essas informações. Colombo disse não conhecer a pessoa, nem o processo, lembrou menção sofrida por ele em outras delações em que foi absolvido em todos os processos e finalizou: “Tenho mais de 40 anos de vida pública e mereço respeito”.
Pinho Moreira, via assessoria de imprensa, se disse indignado por ter o nome envolvido em delação “sobre um fato do qual não tenho nenhuma responsabilidade, tomando conhecimento unicamente através da imprensa. Minha vida pública foi construída com trabalho e responsabilidade”.
A defesa de Julio Garcia já havia se manifestado na semana passada sobre a denúncia, quando o advogado Cesar Abreu chamou o material de queima de reputações e fez alusão à delação de Michelle Guerra. Esta semana, o defensor do presidente da Alesc afirmou: “Delação premiada não é prova, precisa de confirmação por elementos de convicção honesta. Essa delação contraria as declarações de João Buatim à Receita Federal. E não se pode construir nada a partir de declarações contraditórias e o que é pior, marcadas por ‘ouvir dizer’. Não há um fato concreto que coloque o deputado no centro de qualquer ato ilícito. São conjecturas, ilações e suposições. Há, em verdade uma frustração dessa força-tarefa ao não encontrar nada contra o deputado, sepultando o que para os mesmos seria o grande caso de suas vidas profissionais”.
Julio Garcia usou o plenário da Assembleia Legislativa, na última terça-feira, dia 5, para se defender das denúncias recentes da Operação Alcatraz. Num longo discurso, chamou as acusações de “abusivas” e disse que é alvo de uma perseguição, num “espetáculo promovido às custas da reputação alheia”. O deputado iniciou o discurso falando que estava em silêncio até então “para evitar mal entendidos”, e na sequência negou todas as acusações.
O parlamentar também alegou que as acusações do MPF decorrem de ilações e suposições.
– A investigação e a operação, ainda que sejam realizadas pelo Ministério Público, não podem ser consideradas como de todo verdadeiras, e muito menos uma sentença – afirmou.
O deputado disse que a indicação de servidores não pode ser tomada como uma prática ilícita, e que “nada de concreto” foi encontrado. Para Garcia, “a insistência do MP” ocorre pela relação de amizade que o deputado mantém com os outros investigados, como Nelson Castello Branco Nappi Junior.
Garcia disse também que sofreu perseguição por estar na linha sucessória no caso de impeachment do governador Carlos Moisés (PSL) e da vice, Daniela Reinehr (sem partido). O deputado reafirmou que valores recebidos pelo empresário seriam referentes a uma dívida do investigado com ele, e que mencionou isso em depoimento. Ele detalhou também a posse de alguns bens que são citados nas denúncias.
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