Governo prevê gasto maior do que receita e propõe mínimo de R$ 865,50
Última atualização 1 de setembro de 2015 - 08:40:53
Os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Fazenda, Joaquim Levy, entregaram nesta segunda-feira (31) ao presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o projeto do Orçamento de 2016. De acordo com Barbosa, a proposta foi entregue com previsÃo de déficit (gastos maiores que as receitas) de R$ 30,5 bilhões, que representa 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
O projeto traz uma previsÃo de crescimento econômico de 0,2%. A inflaçÃo estimada pelo governo é de 5,4%, e o salário mínimo previsto é de R$ 865,50.
Crescimento da economia de 0,2%
Essa meta já era inferior ao objetivo inicial do governo, anunciado em novembro do ano passado, de que o setor público registraria um superávit primário (receitas maiores que os gastos, sem contar os juros) de ao menos 2% do PIB em 2016 (que correspondia a R$ 126,7 bilhões). Esse valor foi confirmado em abril.
O governo optou por admitir que as contas públicas terÃo, no ano que vem, déficit fiscal inédito após ver naufragar sua ideia de retomar a cobrança da ContribuiçÃo Provisória sobre MovimentaçÃo Financeira (CPMF).
O tributo arrecadaria cerca de R$ 80 bilhões em 2016, grande parte destinada aos cofres do governo, e aumentaria a previsÃo de receitas para o próximo ano – cobrindo também o rombo orçamentário. A proposta, porém, contou com forte rejeiçÃo da sociedade e do empresariado e foi abandonada, pois teria de passar pelo crivo do Congresso Nacional.
Mais cedo, após participar de um fórum em SÃo Paulo, o vice-presidente da República, Michel Temer, disse que o Orçamento com previsÃo de déficit é uma demonstraçÃo de que nÃo haverá “maquiagem” nas contas públicas.
Nos últimos dias, a presidente Dilma Rousseff comandou diversas reuniões com ministros que integram a chamada “junta orçamentária” do governo para tentar fechar os números do Orçamento. No sábado (29), após horas reunida com auxiliares no Palácio da Alvorada, ela desistiu, momentaneamente, da ideia de retomar a CPMF, imposto sobre transações bancárias. A possibilidade de o governo recriar a CPMF repercutiu negativamente no Congresso e no meio empresarial.
Na noite deste domingo (30), depois de o governo debater inúmeros cenários para o Orçamento, Nelson Barbosa foi à residência oficial do Senado comunicar pessoalmente a Renan a decisÃo do Planalto de incluir a previsÃo de déficit na peça orçamentária de 2016.
Prazo
No Congresso, o projeto é avaliado de forma conjunta por deputados e senadores. Primeiro, o texto passa pela ComissÃo Mista de Orçamento (CMO). Em seguida, precisa ser votado pelo plenário do Congresso Nacional. O texto aprovado, que pode conter modificações em relaçÃo ao original, segue para sançÃo da presidente da República.
De acordo com a ConstituiçÃo, o Orçamento deve ser aprovado pelo Congresso até dezembro de cada ano. Quando isso nÃo acontece, o governo só pode gastar no ano seguinte o correspondente a 1/12 do orçamento do ano anterior, até que o novo orçamento seja aprovado.
O orçamento deste ano só foi aprovado pelo Congresso em março, depois de a votaçÃo ser adiada algumas vezes. Com a demora para a aprovaçÃo, alguns ministérios tiveram que interromper projetos ou retardar verbas previstas para alguns programas.
CPMF
O governo federal chegou a anunciar, na quinta-feira (27), que estudava a criaçÃo de um novo imposto para financiar a saúde, nos mesmos moldes da antiga ContribuiçÃo Provisória sobre MovimentaçÃo Financeira (CPMF), que vigorou por dez anos e acabou em 2007, quando foi derrubada pelo Senado.
Havia expectativa de que esse novo imposto, que poderia arrecadar até R$ 85 bilhões por ano, segundo cálculos do governo, pudesse ser incluído no Orçamento. No sábado, no entanto, a presidente Dilma Rousseff desistiu de recriar o imposto.
Conforme revelou o Blog do Camarotti, diante da desistência da presidente, o governo buscava uma alternativa para fechar as contas do próximo ano, sem perder credibilidade. A decisÃo do governo de apresentar o Orçamento com previsÃo de déficit, tomada por Dilma e pelos ministros da área econômica na noite deste domingo, pretende dar realismo e transparência aos números, segundo o Blog.
Ameaça ao grau de investimento
O anúncio formal de que o orçamento está sendo enviado com um déficit fiscal inédito no ano que vem repercutiu mal no mercado financeiro, com o dólar subindo, se aproximando de R$ 3,70, e a bolsa de valores registrando retraçÃo.
O temor dos investidores é que o Brasil perca o chamado “grau de investimento” por conta do desequilíbrio nas contas públicas.
A equipe econômica tem trabalhado nos últimos meses para tentar melhorar o perfil das contas públicas para que a nota brasileira, concedida pelas agências de classificaçÃo de risco, permaneça no chamado “grau de investimento” – que é um tipo de recomendaçÃo para investimento.
Perdendo essa nota, as regras de vários fundos de pensÃo de outros países impediriam o investimento no Brasil, o que dificultaria a capacidade de o país, e das empresas do setor privado brasileiro, buscarem recursos no exterior – aumentando subsequentemente os juros destas operações.
País registrou déficit em 2014
Apesar dos esforços da equipe econômica, implementados por meio do ajuste fiscal, as contas de todo o setor público (governo, estados, municípios e empresas estatais) registraram em 2014 o primeiro déficit primário (receitas menos despesas, sem contar juros) da história em 2014. No ano passado, o déficit primário foi de R$ 32,53 bilhões, ou 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB), em todo ano passado.
Em 2015, as contas públicas registraram, de janeiro a julho, o pior resultado da série histórica, que começa em 2001, para este período. Em 12 meses até julho, houve um déficit primário de R$ 50,99 bilhões, ou 0,89% do PIB, também o pior resultado da série histórica para este indicador.
Quando se incorporam os juros da dívida pública na conta, no conceito conhecido no mercado como resultado “nominal”, houve déficit de R$ 502 bilhões em 12 meses até julho, o equivalente a expressivos 8,81% do PIB. Trata-se, também, do pior resultado da história. Esse número é acompanhado com atençÃo pelas agências de classificaçÃo de risco na determinaçÃo da nota dos países.
Se fechar neste patamar em 2015, o resultado nominal do Brasil só estaria em melhor situaçÃo da de países como Bahrein (déficit de 9,8% do PIB), Antigua (-10,5% do PIB), Algéria (-12,5% do PIB), Brunei (-15,6% do PIB), República do Djibuti (-13% do PIB), Egito (-11,7% do PIB), Guinea Equatorial (-21,4% do PIB), Eritreia (-12,18% do PIB), Guiné (-10,1% do PIB), Iraque (-9,9% do PIB), Líbia (-68% do PIB) e Venezuela (-19,9% do PIB), de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional.
Orçamento com déficit é permitido, diz economista
Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, ainda que inédito, nÃo há nenhum impedimento legal para a entrega de um Orçamento com a previsÃo de déficit e de aumento do endividamento.
“Formalmente, o Orçamento estima receita e fixa despesa. NÃo há nada que impeça que o governo estime que vai colocar títulos da dívida pública no exterior ou aqui dentro mesmo, e que isso vai financiar um determinado gasto”, explica.
“O governo tem que ter fontes suficientes para financiar os gastos. Se no meio das fontes tiver um aumento do endividamento, a única restriçÃo legal que existe é que esse endividamento nÃo pode ser atrelado a um aumento de gasto corrente. Mas se ele estiver financiando gasto de capital (investimento) nÃo há nada que impeça”, acrescenta.
RelaçÃo dívida bruta/PIB
Com o déficit fiscal anunciado para o ano que vem, também haverá piora na relaçÃo dívida bruta/PIB – outro indicador acompanhado pelas agências de classificaçÃo de risco. Em julho deste ano, este patamar estava em 64,5% do PIB. Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida bruta do setor público brasileiro, entre 65% e 70% do PIB – que poderá ser alcançado nos próximos anos – estaria em um patamar elevado na comparaçÃo com outros países.
Estaria, por exemplo, maior do que Angola (44% do PIB em 2016), Argentina (50% do PIB), Bolívia (40% do PIB), Chile (17,9% do PIB), Colômbia (40% do PIB), México (51% do PIB), Rússia (17% do PIB), África do Sul (48% do PIB), Turquia (32%) e Venezuela (30% do PIB).
A dívida brasileira estaria menor, porém, do que o endividamento da Áustria (87% do PIB em 2016), Bélgica (106% do PIB), Gâmbia (90% do PIB), Grécia (162% do PIB), Irlanda (104% do PIB) e JapÃo (246% do PIB).
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