Mesmo com sessões feitas pela internet, apenas 13 deputados participaram de todas as votações nominais da Câmara de Deputados durante a pandemia do novo coronavírus, mostra levantamento feito pelo G1.
Isso significa, portanto, que 97,5% dos 513 deputados federais faltaram a pelo menos uma votação remota durante a quarentena.
Na sessões virtuais, criadas para lidar com a pandemia do coronavírus, os deputados carregam no celular o aplicativo da Câmara e podem votar de qualquer lugar [saiba mais detalhes sobre o funcionamento da sessão virtual no fim da reportagem]. Até então, precisavam estar pessoalmente no plenário da Casa, em Brasília.
A equipe de reportagem analisou as 64 votações nominais ocorridas durante dois meses da quarentena (de 25 de março a 25 de maio). As votações nominais são aquelas em que é identificado o posicionamento de cada parlamentar.
Durante esse período, foram votadas várias proposições relacionadas à pandemia do novo coronavírus, como a PEC do Orçamento de Guerra e o projeto de ajuda financeira a estados e municípios.
A maior parte dos mais assíduos pertence à base do governo. Veja abaixo, em ordem alfabética, a lista dos 13 deputados que participaram de todas as 64 votações:
O deputado Eli Corrêa Filho (DEM-SP) também participou de todas as votações realizadas quando estava no exercício do mandato. Mas foram apenas 32 votações nominais, metade do total.
O número de deputados 100% votantes foi, inclusive, menor que no mesmo período de 2019, quando a participação era presencial em Brasília. O número de votações, no entanto, também foi menor.
De 25 de março a 25 de maio de 2019, 31 deputados participaram de todas as 33 votações nominais realizadas no plenário da Câmara.
O cientista político Leonardo Barreto, da UnB, afirma que há poucos motivos para não votar em uma sessão virtual, com exceção de problemas de saúde ou algo do tipo, já que os deputados agora “carregam o plenário no bolso”.
“Em uma votação presencial, tem um conjunto de problemas que podem ocorrer e tirar [o deputado] de uma votação: pode perder o avião, ter um compromisso político em outro lugar, uma série de possibilidades. Mas, quando você carrega o plenário no bolso, esse leque de possibilidades diminui. E aí resta uma razão principal que é: não votou porque não quis.”
O levantamento do G1 mostra que 77 deputados faltaram a 1/4 das votações, mesmo virtuais. É um número considerado alto, mas menor se comparado às 33 votações do mesmo período de 2019, quando 206 parlamentares faltaram a 1/4 das votações presenciais. É preciso levar em conta, porém, que houve quase o dobro de votações durante a pandemia.
O levantamento do G1 mostra também que 10 deputados federais estiveram ausentes em pelo menos metade das 64 votações nominais realizadas durante os dois meses de pandemia (veja a lista abaixo). As votações virtuais ocorrem desde 25 de março na Câmara. A Casa desaconselha que os deputados participem de forma presencial para evitar a disseminação do novo coronavírus.
“Qualquer deputado pode participar presencialmente da sessão, mas a orientação da presidência [da Câmara], para a proteção de todos, é que esta participação ocorra na proporção de um deputado por liderança. No entanto, todos os discursos e deliberações continuam sendo realizados de forma remota.”
O número referente ao mesmo período de 2019 (quando as votações eram presenciais, registradas por biometria no plenário da Câmara), porém, é maior: 64 deputados federais faltaram a pelo menos metade das 33 votações nominais de 25 de março a 25 de maio do ano passado.
A lista de ausentes é encabeçada pelo deputado Boca Aberta (PROS-PR). Ele não compareceu a 42 das 64 votações analisadas. Durante o período, porém, o parlamentar gravou em todas as manhãs, de segunda a sexta, um programa com a mulher, transmitido em suas redes sociais.
Em nota, o deputado culpa o sistema de votação da Câmara pelas ausências e diz, inclusive, que já teve desconto de salário por falta durante a pandemia. “Com muito custo a gente consegue votar nas sessões. É um problema sério. Sou de Londrina, do Paraná, e estou impedido de estar pessoalmente. O sistema é uma porcaria.”
Já a Câmara dos Deputados afirma que o sistema de deliberação remota “nunca apresentou qualquer falha de funcionamento contundente, não tendo sido necessário o cancelamento de nenhuma sessão plenária por problemas no sistema”. “Grande parte das dificuldades enfrentadas até hoje diz respeito à adaptação natural das equipes técnicas da Casa e dos parlamentares às novas ferramentas digitais.”
Em nota, a assessoria de imprensa acrescenta ainda que a experiência do plenário virtual da Câmara “tem servido como referência internacional em vários encontros virtuais de associações parlamentares” e que casas legislativas de vários países já entraram em contato para saber mais informações sobre o sistema brasileiro.
Em segundo lugar, o deputado mais ausente é Fábio Faria (PSD-RN). A votação do projeto de ajuda a estados e municípios é uma das 40 votações em que Faria esteve ausente durante a quarentena. No total, ele faltou a 62,5% das votações nominais realizadas desde 25 de março – quando começaram as sessões virtuais.
Procurada, a assessoria de imprensa do deputado do PSD não respondeu até a publicação da reportagem.
Já o terceiro deputado a faltar a mais votações nominais foi Newton Cardoso Jr (MDB-MG). O deputado emedebista esteve ausente em 39 das 64 votações nominais da quarentena – o que representa 60,9% do total. Uma das ausências de Newton Cardoso Jr foi em 31 de março, quando foi votado no plenário um projeto que remaneja verbas para a saúde.
A assessoria deputado diz que ele está “com a família, em função do isolamento necessário” e que “não há internet de qualidade”. “Isso faz com que ele nem sempre consiga se conectar de forma adequada ao sistema da Câmara, o que não significa que ele não esteja participando das sessões remotas.” A nota diz que, apesar de estar ausente nas votações nominais, o parlamentar registra presença nas sessões virtuais.
André Fufuca (PP-MA) foi o quarto com mais faltas. Ele não participou de 38 votações nominais. O deputado explica que ficou doente entre o fim de abril e o início de maio, com suspeita de Covid-19, com “um processo lento de recuperação”. “Durante esse tempo eu tive muita febre, tosse, dores de cabeça, que inviabilizaram minha participação nas sessões. Eu apenas participei das votações em que estava me sentindo um pouco melhor para cumprir com minha responsabilidade nesse momento tão difícil que o país enfrenta. Mas agora graças a Deus estou totalmente recuperado”, afirma.
Arthur Lira (PP-AL), com 36 faltas, e Paulo Bengtson (PTB-PA), com 35, também não responderam aos questionamentos da reportagem.
O deputado José Nunes (PSD-BA), que faltou a 35 votações, afirma que esteve presente em todas as sessões, mas diz que teve problemas técnicos para acessar o sistema de votação remoto da Câmara. “Minha residência eleitoral é em Euclides da Cunha, interior do estado, e infelizmente parte do interior da Bahia e do Brasil não são cobertos por internet banda larga, o que dificulta o acesso”, diz.
Diferentemente das votações nominais, que acontecem em um momento determinado, a marcação da presença pode ser feita de duas horas antes até o encerramento da sessão.
Professor Alcides (PP-GO), com 34 faltas, afirma que participou de “todas as sessões remotas”. “Por causa de problemas técnicos tive dificuldade em participar de várias votações nominais, fato que foi levado ao conhecimento do presidente da Casa, Rodrigo Maia, e que já foi solucionado”, afirma, em nota.
Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR), com 32, não se manifestou até a última edição desta reportagem.
Já Igor Kannário (DEM-BA), que faltou a 32 votações nominais, informa que registrou apenas uma falta nas sessões virtuais e que “participou, neste período, de todas as votações importantes para combater o avanço da Covid-19”. O parlamentar afirma que “assim como alguns de seus colegas, enfrentou instabilidade no sistema de deliberação remota em alguns dias de votação, impactando no número de votações nominais realizadas no período”. “O deputado informa também que, no dia 14 de abril, não pôde participar completamente da última sessão iniciada devido a um problema de saúde”, informa a assessoria.
A deputada Áurea Carolina (PSOL-MG) está de licença-maternidade de 4 de fevereiro a 4 de junho e, por isso, não participou das votações nominais.
A participação dos deputados nas votações remotas da câmara é feita por um aplicativo desenvolvido internamente, o Infoleg, que é instalado nos celulares dos parlamentares. Para garantir a segurança, os aparelhos são cadastrados e autorizados individualmente.
O sistema permite que os políticos marquem presença e votem nas deliberações. O aplicativo também envia notificações sobre as votações e o andamento das sessões.
O Infoleg pode ser baixado por qualquer cidadão, que pode usar a ferramenta para receber avisos e notificações, além de conhecer os projetos em votação.
O presidente da sessão fica presencialmente no plenário em Brasília. Seu microfone fica ligado o tempo todo e os outros só são acionados de acordo com a ordem de inscrição para se manifestar.
Em nota divulgada após a publicação da reportagem, a Câmara diz que a produtividade tem sido recorde neste período de pandemia. “A presença média de parlamentares nas sessões virtuais (503) é superior à das sessões presenciais (459) do ano passado”, diz.
“A Câmara dos Deputados, por meio do desenvolvimento do SDR, colocou-se na dianteira da resposta mundial dos parlamentos à Covid-19. Os problemas apontados na reportagem referem-se, conforme anteriormente esclarecido, ao processo natural de adaptação das equipes técnicas e dos parlamentares ao uso das novas ferramentas. Ainda há, naturalmente, um longo caminho pela frente. Ainda que o aplicativo tenha apresentado, em poucas oportunidades, instabilidades pontuais, a Câmara não deixou de realizar sessões ou qualquer votação em razão de falhas críticas do SDR. A experiência do Congresso Brasileiro é, hoje, considerada referência internacional.”
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