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Dia dos Pais: separações e reencontros marcam refugiados no Brasil

Última atualização 14 de agosto de 2022 - 15:17:22

© Divulgação/Acnur

“Não quero que ele gaste o pouco dinheiro que tem
comprando qualquer coisa para mim. Presente, não quero. Eu sou feliz só de ele
estar aqui”, se emociona o venezuelano Aldrix Llovera, de 49 anos. Vivendo
desde 2020 no Brasil, ele terá finalmente a companhia de um filho para celebrar
o Dia dos Pais neste domingo (14). Alexis, de 29 anos, chegou no final do ano
passado. Veio para ficar e já deu os primeiros passos para seguir a profissão
do pai, que hoje trabalha como eletricista.

“Eu aguardei ele na rodoviária de Manaus. Sabia que ele não
tinha roupa, não tinha nada. Eu levei uma roupa, sapato. Ele tomou banho na
rodoviária, trocou a roupa e fomos para casa”, contou Aldrix. O venezuelano, no
entanto, convive com a saudade de outros quatro filhos. Como outros refugiados
que deixaram seus países em busca de uma nova vida, ele carrega uma trajetória
marcada pela separação dos entes queridos, às vezes por curto tempo, às vezes
por longos períodos.

Mesmo sem esperar grandes comemorações para este ano, Aldrix
lembra com satisfação do Dia dos Pais na Venezuela: “churrasco, cerveja,
foguete, quase igual ao que é aqui”. Em busca de melhores condições de
vida, ele deixou Valência, cidade onde morava no norte do país vizinho. Atravessou
sozinho a fronteira, chegando a Pacaraima (RR). De lá, passou por Boa Vista,
capital roraimense, e foi parar em Manaus, onde vive atualmente. É um trajeto
comum realizado por muitos venezuelanos em meio ao movimento migratório que
teve início em 2017. “A situação em meu país estava muito ruim, muito
crítica. Já não dava para trabalhar e morar lá”, conta.

Hoje, ele possui carteira assinada e atua como eletricista
em uma empresa de energia. Mas até se estabelecer, viveu na rodoviária da
capital do Amazonas, onde funciona um posto de recepção e apoio a imigrantes.
Lá, pessoas em situação de vulnerabilidade podem tomar banho, guardar seus
pertences e, pernoitar em barracas emprestadas pela Operação Acolhida,
iniciativa liderada pelo Ministério da Cidadania que envolve também uma rede de
organizações mobilizada pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (Acnur), agência vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU).

Apesar de relatar que sofreu uma tentativa de assalto,
Aldrix considera ter sido bem recebido e avalia que os brasileiros gostam de
ajudar. Com emprego fixo e renda regular, ele pôde viabilizar a vinda de
Alexis, que estava na Colômbia, para onde havia ido cinco anos antes com outros
dois irmãos. Apesar da distância, nunca deixaram de se falar e quando o filho
contou que não conseguia emprego, o pai prontamente se ofereceu para pagar a
passagem com destino ao Brasil. Nos últimos meses, Alexis fez curso de
eletricista. Enquanto aguarda uma oportunidade na empresa onde o pai trabalha,
ele busca se sustentar vendendo banana.

Além da solidariedade brasileira, os dois contam ainda com o
apoio de uma comunidade de venezuelanos que trilhou um caminho similar. Aldrix
inclusive conheceu no Brasil sua atual esposa, a compatriota Miriam Machado.
Dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão colegiado vinculado
ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, apontam que 70,04% dos 61.731
pessoas reconhecidas como refugiadas no Brasil são venezuelanas. Síria,
Senegal, Angola e República Democrática do Congo fecham a lista dos cinco
principais países de origem dessas pessoas.

Refúgio

Os pedidos de refúgio levam em média 2 a 3 anos para serem
analisados. Eles são deferidos caso se reconheça que o deslocamento se deu em
consequência de conflitos internos, agressão estrangeira, violência
generalizada, grave violação de direitos humanos ou perseguição por motivos
sociais, raciais, religiosos, políticos ou de nacionalidade. No caso dos
venezuelanos, o grande fluxo migratório iniciado em 2017 decorre da crise
econômica e política que se instaurou no país vizinho. No auge desse movimento,
cerca de 500 pessoas ingressavam diariamente no Brasil. Criada em 2018 para
lidar com a situação, a Operação Acolhida tem assegurado a interiorização de
milhares deles em diferentes cidades do país.

Por sua vez, o Acnur oferece suporte a essa população.
Voltada para a proteção dos direitos dos refugiados em todo o mundo, a agência
se mantém exclusivamente com doações que podem ser feitas pelo site. No Brasil,
a atuação ocorre geralmente de forma indireta, financiando organizações sociais
e entidades do terceiro setor. A exceção está justamente na fronteira com a
Venezuela, onde são mantidos diversos abrigos e são desenvolvidas diretamente
ações variadas, que incluem cursos de português, capacitação profissional,
encaminhamento de crianças para a escola, concessão de auxílios sociais e
financeiros, atendimento psicossocial, entre outras.

Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Acnur no Brasil, observa
que a reconstrução de vida longe dos vínculos afetivos é um desafio adicional
para os refugiados, muitos dos quais passam anos longe de cônjuge, pais, irmãos
e filhos. “A integridade da família é protegida pelo direito
internacional. O Acnur atua para que os refugiados tenham acesso a meios
seguros e legais de se reunir com seus parentes. Ou seja, sem recorrer a
jornadas perigosas e irregulares onde as vidas são colocadas em risco”,
afirma. Segundo Godinho, a reunião familiar ajuda a superar traumas do
deslocamento forçado e também facilita o processo de integração e adaptação às
novas comunidades.

Saúde

O tratamento que o Brasil dá aos migrantes é considerado
pelo Acnur como um exemplo positivo. Diferente de outros países, que organizam
campos de refugiados, aqui há um esforço para integrá-los na sociedade. E a
legislação contribui com essa opção, uma vez que garante a eles acesso a
serviços considerados universais, como saúde, educação e mesmo programas
sociais.

Foi justamente a luta pela saúde que trouxe ao Brasil o
venezuelano Luis Aníbal Pinto Casanova. Aos 48 anos, ele se despediu da esposa
e da filha para buscar melhor qualidade de vida para seu filho de 4 anos. O
menino sofria de síndrome nefrótica, que causa retenção de líquidos no
organismo e inchaço do corpo. A família tinha dificuldades para comprar
medicamentos e para conseguir comida para a dieta adequada.

“Tivemos que ir várias vezes ao hospital. Até que
chegou um limite e sempre me falavam que no Brasil havia ajuda, melhores
médicos, especialistas para esta doença”, conta Luis. Ele fez o mesmo
trajeto que Aldrix e lembra do apoio que recebeu para ter acesso aos serviços
de saúde. “Quando cheguei a Pacaraima não tinha sequer 50 centavos.
Entramos no abrigo e tudo mudou”.

Hoje, aos 7 anos, o filho, que também se chama Luis, está
melhor. “Come de tudo, não fica mais inchado”, diz o pai celebrando o
tratamento no Brasil. Além da saúde, ele também elencou a educação do menino
como uma prioridade. De início, conseguiu matriculá-lo em uma escola distante
do abrigo onde estavam: levava o filho de bicicleta em um trajeto que tomava
quase uma hora. Com o tempo que gastava no deslocamento, não tinha condições de
assumir um trabalho fixo. Isso só ocorreu quando uma professora lhe ajudou a
obter uma transferência para uma instituição mais próxima.

“Queria que ele aprendesse o português. Quero um futuro
para os meus filhos. Quero que um dia eles pensem que o pai os trouxe para esta
terra e que entendam que aqui está seu futuro, está sua educação. Quero que
aprenda bastante porque ele nunca estudou na Venezuela por causa da sua doença.
E agora sim. Tenho uma irmã que é professora. Eu mandei fotos da escola do
sobrinho e ela ficou contente. Me sinto bem. Levo ele na escola, busco comida
ao meio dia e vou ao trabalho. Se tenho um trabalho, está tudo bem”,
conta.

Luis terá motivo extra para celebrar o Dia dos Pais, já que
estará acompanhado de toda a família. A esposa e a filha, que haviam ficado na
Venezuela, vieram depois. E agora há um reforço com nome de craque. No final do
mês passado, nasceu, em solo brasileiro, um novo descendente: Neymar. Ele se
emociona com o apoio que tem recebido e conta que o chefe lhe presenteou com
muitas roupinhas novas de bebê.

“Existem pais que são bons com os filhos. E existem
pais que se vão e se esquecem dos seus filhos. E isso não é certo. Eu não
abandono meu filho por nada. Me sinto com força e com vontade de tê-lo. Estamos
juntos, unidos. Somos pobres, mas humildes e com uma vontade grande de seguir
adiante”, afirma.

Dificuldades

Se as separações são dolorosas, os reencontros envolvem
desafios que vão além da questão econômica. Cheick Ahmed enfrenta obstáculos
para trazer ao Brasil seus filhos que não vê há seis anos. “Quando chega
esse momento de feriado, dia das crianças, dos pais, sinto muita saudade. Muito
triste minha família estar longe de mim. Mas a gente se fala pela internet, no
WhatsApp”, diz.

Ele chegou ao país em 2016, com apenas 27 anos, após deixar
a Guiné por conta da instabilidade política no país africano. Ele conta que, no
ano anterior, teve sua casa invadida e seu irmão foi assassinado. Diante da
turbulência, ele decidiu vir para o Brasil.

“É um país que tem democracia. É um país emergente, que
acolhe todo mundo. Aqui tem liberdade de expressão, tem lei e tem pessoas
respeitando a lei”, disse. Antes de vir para cá, levou sua esposa e três
filhos para o Senegal, onde estariam mais seguros. Na época, o mais novo estava
com apenas seis meses de idade e as outras duas crianças tinham 4 e 9 anos.
“Tenho muita saudade, triste deixar todos novinhos. Não tinha condição
para trazer todo mundo junto. Financeiramente e para resolver todos os
documentos logo para sair do país”, explica.

Já faz três anos que Cheick está tentando trazer a família
para o Brasil. Segundo ele, sua autorização de residência, que permite que a
família solicite visto para entrar no país, levou cinco anos para sair, o que
só ocorreu no final do ano passado. Agora, há um novo obstáculo para se
reencontrarem: a emissão do passaporte para a esposa e para os filhos. Cheick
relata que, com a recente troca no governo da Guiné, as autoridades do país
africano estariam dificultando a emissão do documento de viagem. “Às vezes
fico chorando pensando como eles são, se eles estão bem, se comeram direitinho,
se estão vivendo bem”, se emociona.

 

*Estagiária sob supervisão de Vitor Abdala

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