Home 'De toda essa tragédia surgiu nosso namoro', diz sobrevivente da Kiss

'De toda essa tragédia surgiu nosso namoro', diz sobrevivente da Kiss

Última atualização 5 de junho de 2013 - 14:47:46

O quarto de um hospital emSanta Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, foi cenário de uma história de amor para Gustavo Riet, de 34 anos, e Juliana Bassan, de 23. Nos cinco dias em queficou internadoapós o incêndio na boate Kiss, o empresário recebeu visitas da jovem professora. Durante as tardes de conversa, aproveitaram para se conhecer melhor depois de terem trocado o primeiro beijo na véspera da tragédia que matou 242 pessoas. Quatro meses depois, já usam alianças de compromisso.

Já como namorados, Gustavo e Juliana retornam a hospital para tratamento (Foto: Gustavo Riet/Arquivo pessoal)Já como namorados, Gustavo e Juliana retornam a
hospital (Foto: Gustavo Riet/Arquivo pessoal)

“Foi muito espontãneo”, conta Juliana, que leciona língua portuguesa em duas escolas de Santa Maria. “Acabamos nos conhecendo e rolou algo bem forte. Com ele, foi diferente do que acontecia antes. Eu me sentia muito próxima dele”, acrescenta.

A empolgação de Gustavo com a nova paixão contrasta com a dor da perda do amigo até então inseparável Ubirajara Soares Bastos Junior, o “Pexe”, uma das 242 vítimas do incêndio. O consolo é seguir à risca o último conselho que o amigo lhe deu. “Ele disse que ela era perfeita e que eu tinha que namorar com ela”, lembra.

A grande lição de tudo o que aconteceu já havia sido ensinada a Gustavo por quem o incentivou. “Como dizia o meu amigo: ‘tenha fé, porque até no lixão nasce flor’, parte da letra da música dos Racionais MCs. Ele sempre dizia aquilo, que de toda a desgraça podemos uma lição boa. E é a mais pura verdade, de toda essa tragédia surgiu o nosso namoro”, diz o empresário.

'Beijo de cinema'
O casal se conheceu em uma festa na madrugada de 26 de janeiro, apresentados uma amiga em comum. Demorou algumas horas para o momento esperado. “Demos um beijo de cinema. Parecia que não tinha mais ninguém na boate. Foi incrível, sem explicação”, conta o empresário.

Tanto Gustavo quanto Juliana queriam se encontrar novamente na noite seguinte, mas ela já havia combinado com amigas que iria a outra festa. O empresário chegou a sair da Kiss para encontrar a menina, mas desanimou com a fila e não entrou na casa noturna onde ela estava. Mesmo assim, a encontrou na área de fumantes. “Dei outro beijo de cinema nela”, relembra.

Casal namora há cerca de quatro meses e usa aliança (Foto: Gustavo Riet/Arquivo pessoal)Casal namora há cerca de quatro meses e usa aliança (Foto: Gustavo Riet/Arquivo pessoal)

Cena de guerra
Gustavo voltou para a boate Kiss cerca de 10 minutos antes de começar o incêndio. Escapou, mas retornou várias vezes para ajudar outras pessoas a se salvarem até ser impedido pelos bombeiros. Depois, junto com outros dois jovens, usou uma picareta para tentar abrir um buraco na parede na casa noturna. Pensava no amigo, que foi ao banheiro minutos antes do momento fogo começar. Em meio à confusão, celular do empresário tocou.

Perguntei o que aconteceu e onde ele estava, e ele disse que estava ajudando as pessoas. Aquilo me encantou”
Juliana Bassan, professora e
namorada de Gustavo Riet

“Quando eu soube do incêndio, telefonei para ele. Ele atendeu no meio daquela gritaria, e foi uma incerteza de tudo. Eu perguntei o que aconteceu e onde ele estava, e ele me disse que estava ajudando as pessoas. Aquilo me encantou muito na personalidade dele. Me surpreendi”, contou a jovem.

Quando percebeu que não havia mais nada a ser feito, Gustavo enviou uma mensagem para Juliana, afirmando que estava preocupado com o amigo. A jovem foi até a frente da Kiss e o encontrou subindo a ladeira da Rua dos Andradas em direção à Avenida Rio Branco.

“Ela disse que parecia uma cena de filme de guerra, eu todo ensanguentado, com cortes na testa e nas mãos, e todo preto, sujo da fumaça e de me arrastar no chão. Aí ela me abraçou e me perguntou como eu estava”, contou.

Parceria
Se Juliana se surpreendeu com a atitude de Gustavo, o mesmo ocorreu com ele ao perceber que poderia contar com a jovem. Juntos, foram ao Centro Desportivo Municipal, onde os corpos das vítimas eram reconhecidos, visitaram um amigo de Gustavo que também foi hospitalizado e compareceram ao velório de Pexe. “Isso foi um dos fatores (que o levou a gostar da menina). Eu estava mal e ela foi a única que foi até lá comigo”, disse.

Casal em uma das primeiras saídas após a alta de Gustavo (Foto: Gustavo Riet/Arquivo pessoal)Casal em uma das primeiras saídas após a alta de
Gustavo (Foto: Gustavo Riet/Arquivo pessoal)

Depois de tudo isso, o empresário foi alertado que todos os que inalaram a fumaça do incêndio deveriam ser submetidos a exames. Sem dormir, Gustavo deixou o velório do amigo foi ao Hospital Universitário de Santa Maria (UFSM), onde foi internado. Os amigos organizaram uma escala de visitas para evitar que o empresário ficasse sozinho, e Juliana se ofereceu para passar as tardes com ele.

Lá, o casal se aproximou e a paixão se intensificou. “Eu tentava fugir de qualquer assunto de incêndio e tragédia. Nós nos conhecemos no dia anterior, e aconteceu tudo aquilo, aí no terceiro dia ele estava mal no hospital. Então começamos a nos conhecer, e isso ajudou um pouco a desviar o foco”, disse Juliana.

Jovens usam marretas e picaretas para abrir buraco na boate Kiss durante o incêndio (Foto: Reprodução/RBS TV)Jovens usaram marretas e picaretas para abrir buracos
na parede da boate Kiss durante o incêndio
(Foto: Reprodução/RBS TV)

Resistência superada
Solteiro há três anos, Gustavo sentia vontade de conhecer alguém especial, mas temia se decepcionar. Porém, ainda no hospital percebia que sentia algo por Juliana. “Quando eu tive alta, queria namorar com ela”, conta.

Já a jovem havia terminado um namoro de oito anos pouco antes de conhecer Gustavo, o que a fez resistir. “Depois que saí de lá, queria namorar, mas ela achava cedo. Fui tentando”, conta.

Apaixonada, Juliana enfim aceitou o pedido. “Tudo foi se encaixando. Quando as coisas têm de acontecer, acontecem”, disse a jovem. O guerreiro que arriscou a vida para ajudar outras pessoas na boate saiu vencedor de mais uma batalha.

Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 242 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.

O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados. Dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda foram presos nos dias seguintes à tragédia, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em 29 de maio.

As primeiras audiências do processo criminal foram marcadas para o fim de junho. Paralelamente, outras investigações apuram o caso. Um inquérito Policial Militar analisa o papel dos bombeiros no caso, desde a concessão de alvarás e a fiscalização do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) até o atendimento aos feridos na tragédia. A investigação deve ser concluída nos próximos dias, segundo a Brigada Militar.

Na Cãmara dos Vereadores da Santa Maria, uma CPI analisa o papel da prefeitura e tem prazo para ser concluída até 1º de julho. O Ministério Público ainda realiza um inquérito civil para verificar se houve improbidade administrativa na concessão de alvará e na fiscalização da boate Kiss.

Veja as conclusões da investigação
– O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
– As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
– O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
– A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
– Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
– A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
– As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
– A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
– Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
– As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
– Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas

deixe seu comentário