Quem recebe o diagnóstico desseproblema gastrointestinalsai do consultório do médico sabendo que, a partir desse momento, terá que riscar totalmente da dieta alimentos com glúten, uma proteína presente no trigo, na aveia, no centeio, na cevada e em seu derivado, o malte — além de qualquer receita que contenha algum deles. “Nos portadores de doença celíaca, a substãncia provoca danos na parede do intestino delgado, impedindo a absorção de nutrientes como vitaminas e água”, explica Vladimir Schraibman, gastroenterologista e cirurgião do aparelho digestivo do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Por isso, se essas pessoas ingerirem glúten, mesmo que em pequenas quantidades, vão sofrer com diarreia crÔnica ou prisão de ventre, inchaço, flatulência, irritabilidade e pouco ganho de peso”, conta Schraibman.
Mas existe uma turma de celíacos que segue à risca a restrição alimentar e, mesmo assim, de uma hora para a outra começa a apresentar erupções na pele que, a princípio, lembram picadas de inseto e em pouco tempo viram bolhas que ardem e coçam bastante. Em alguns casos, elas são acompanhadas pelos sintomas gástricos. “Trata-se de uma variante da doença celíaca chamada dedermatite herpetiformee que também é desencadeada pela presença do glúten”, explica Péricles Marques, presidente da Associação dos Celíacos do Brasil.
Pergunta: se esses indivíduos cortaram totalmente essa proteína do cardápio, como ela provocaria o quadro? “Por meio de cosméticos com ingredientes derivados da substãncia na sua formulação”, responde a dermatologista Erica Monteiro, do Centro de Cosmiatria do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Isso também pode acontecer com gente que nem desconfia que é intolerante e, assim, não faz nenhuma ligação entre o aparecimento das marcas na pele com o contato com o glúten. E muito menos com o uso desses produtos.
No entanto, mais difícil do que descobrir que essa molécula causa bolotas e afins na pele é saber em que cosméticos ela está presente. A proteína pode ser usada em fórmulas para o tratamento do corpo, do rosto, dos lábios e dos cabelos, mas os fabricantes nem sempre declaram de forma direta a presença dela e utilizam apenas uma nomenclatura muito técnica para descrever o que há dentro da embalagem. Foi o que descobriu um estudo realizado na Universidade George Washington, nos Estados Unidos, um dos trabalhos apresentados no último congresso do Colégio Americano de Gastroenterologia, realizado recentemente em Washington, também na terra do Tio Sam.
Os pesquisadores americanos chegaram a essa conclusão depois de buscar a palavra glúten ou a expressão livre de glúten no site das dez maiores companhias de cosméticos do país. Além disso, procuraram dados sobre os ingredientes dos produtos em um site independente. A investigação revelou que apenas duas das empresas ofereciam informações detalhadas sobre o que é usado em suas fórmulas. E, mesmo assim, os experts não conseguiram identificar as fontes da proteína com a ajuda da web. Ou seja, se para os especialistas é um desafio saber em quais itens havia ou não glúten, imagine para os leigos.
O administrador de empresas carioca Wladimir Azevedo, de 40 anos, conhece bem a dificuldade de desvendar o rótulo de cosméticos. “Descobri que tenho dermatite herpetiforme em 2004, depois de passar por vários dermatologistas que sempre afirmavam que se tratava de uma psoríase e, por isso, me enchiam de corticoides”, relata Azevedo. “Assim, do início dos sintomas até o diagnóstico correto se passou um ano”, lembra. No início, ele, que antes de retirar a substãncia do cardápio sofria com alguns dos problemas gástricos da doença celíaca, teve dificuldade para se adaptar à restrição alimentar, porque se sentia constrangido ao ser convidado para jantar na casa de algum amigo. “Sem contar que muitas pessoas acham que isso não passa de um capricho ou uma dieta da moda.” Hoje, Azevedo lida muito bem com a situação e até levanta a bandeira da causa. É praticante de triatlo de longa distãncia e criou o sitewww.triathlonsemgluten.com.
Falta Informação
Apesar de lidar bem com o seu diagnóstico e ter bastante conhecimento sobre a doença, Azevedo ainda tem dificuldade para encontrar cosméticos que não ofereçam riscos aos portadores de dermatite herpetiforme. “Como é muito complicado identificar a presença da substãncia na embalagem, muitas vezes apelo para tentativa e erro, o que não é nada bom”, afirma. “Seria muito mais fácil se houvesse um alerta, como acontece com os alimentos.” Segundo a Agência Nacional de Vigilãncia Sanitária, a Anvisa, de fato não há no país uma norma que regularize a forma como as empresas da área devem declarar o uso do glúten em seus produtos. “E os rótulos de cosméticos costumam ter seus ingredientes escritos em inglês”, lembra a dermatologista Erica Monteiro.
Ao que tudo indica, infelizmente ainda parece existir um longo caminho até que os portadores da doença consigam escolher seus cremes, hidratantes e xampus sem correr o risco de apresentar os sintomas do mal. “No Brasil, os estudos sobre o assunto são praticamente inexistentes e sentimos dificuldade dos fabricantes para entenderem essa necessidade de informar se há glúten ou partículas de cereais em suas fórmulas”, conta Lucélia Costa, presidente da Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil. “Aqui, não existe nenhuma marca considerada totalmente segura para essas pessoas. Isso é uma pena, porque elas têm muita dificuldade para exercer a sua vaidade e são consumidoras fiéis daquilo que não oferece perigo”, lamenta Lucélia.
O que é doença celíaca?
É causada por fatores hereditários. Em geral, se manifesta entre os 6 meses e o terceiro ano de vida, mas pode aparecer em qualquer idade. Ainda não existe um número oficial de portadores no Brasil, porém um estudo da Unifesp com adultos mostra que havia um celíaco para cada 214 moradores de São Paulo.
Por dentro da dermatite herpetiforme
Tudo começa com uma coceira e uma queimação na pele. Depois, surgem pequenas bolhas que se concentram nos cotovelos, joelhos, nádegas, costas e na parte posterior da cabeça. Mais rara do que o outro tipo de doença celíaca, a dermatite herpetiforme costuma acometer homens entre os 20 e os 55 anos. Em 20% dos casos, ela vem acompanhada pelos sintomas gástricos. O tratamento, claro, inclui uma dieta livre de glúten. “E quando há um quadro agudo lançamos mão de medicamentos específicos”, conta Erica Monteiro.
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