Aulas pouco dinãmicas + alunos pouco motivados + professores com formação deficiente = resultados pífios do ensino de matemática no Brasil. Essa fórmula, que contém elementos bastante conhecidos pela comunidade escolar, por gestores e especialistas em educação, continua a ser reproduzida diariamente nas salas de aula de colégios em todo o país.
Como consequência, 89% de estudantes chegam ao final do Ensino Médio sem aprender o mínimo desejado nessa disciplina, de acordo com o relatório De Olho nas Metas 2011. Isso sujeita o Brasil a uma desconfortável 57ª posição no ranking mundial de aprendizagem de matemática em uma lista de 65 países contemplados pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).
Especialistas avaliam que as principais razões para esse cenário pouco animador é a combinação de conteúdos que exigem o domínio de conceitos abstratos por parte dos estudantes com a insistência em estratégias pedagógicas conservadoras baseadas na repetição de exercícios e na falta de relação com a vida cotidiana dos estudantes..
De onde vem o número
A constatação de que a grande maioria dos estudantes brasileiros do Ensino Médio não aprende o esperado em matemática está presente no relatório De Olho nas Metas 2011, elaborado pelo movimento Todos Pela Educação com base em informações coletadas pela Prova Brasil e pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). As informações têm origem em provas aplicadas em todo o Brasil em 2009.
COMEÇO RUIM COMPROMETERESULTADOS POSTERIORES
O mau desempenho na disciplina de matemática, escancarado ao final do Ensino Médio, tem raízes no início da vida escolar. Isso ocorre devido a algumas peculiaridades dessa ciência: uma das principais é que se trata de uma área cumulativa de conhecimento. Isto é, o aluno precisa aprender bem um conteúdo prévio para compreender o posterior.
— A matemática se destaca das outras disciplinas porque é sequencial, ou seja, não se aprende a multiplicar se não aprendeu a somar. Isso significa que uma etapa que não foi bem aprendida compromete o aprendizado daí por diante. Além disso, a criança tem de entender a teoria envolvida desde os seis anos de idade. Ela sabe que uma plantinha cresce quando é molhada, mesmo sem entender as reações químicas envolvidas. Mas, com a matemática, tem de entender o sistema decimal para saber que, depois do 19, vem o 20 — afirma a doutora em Matemática Suely Druck, da Universidade Federal Fluminense, criadora da Olimpíada Brasileira de Matemática.
O problema é que a largada do aprendizado numérico no Brasil é deficiente — o que cria um efeito nocivo ao longo de toda a Educação Básica. Conforme o relatório De Olho nas Metas 2011, do movimento Todos Pela Educação, dados da Prova Brasil mostram que apenas 42,8% dos alunos do 4º ano do Fundamental sabem o esperado em matemática — dominar adição, subtração e resolver problemas com notas e moedas.
TEMA DE CASA
O desempenho dos alunos catarinenses também deixa a desejar. Ao final do ensino médio, 85,1% não aprendem o esperado em matemática. Professora e especialista em educação de matemática no ensino básico e superior, Cirlei de Sena Corrêa acredita que o problema não está restrito à disciplina.
Para ela, o modelo das escolas está equivocado, como a marcação de horário das aulas que duram cerca de 45 minutos, sem dar aos estudantes necessário para processar a informação:
— Quando o aluno está formando uma lógica de raciocínio, o sino toca e a aula muda — diz.
Além disso, ela acredita que conteúdos estão fora de lugar. Muitos dos assuntos abordados em matemática no sexto ano do fundamental, por exemplo, não deveriam ser ensinados.
Apesar dos desafios impostos, Cirlei acredita que mudanças positivas vêm por aí. Ela dá aulas para cursos de engenharia e matemática da Universidade do Vale do Itajaí e coordena o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), do Governo Federal, na área de matemática, em Itajaí. A ideia do projeto é melhorar o ensino nas escolas básicas.
Cirlei leva os alunos de licenciatura às escolas para trabalhar a matemática de maneira diferenciada. Isso envolve diálogo maior com os estudantes, tecnologia, com o uso dos laboratórios de informática e ligação da teoria com a vida real.
— Trabalhar de forma diferenciada é levar profissionais para conversar com os aluno, por exemplo. Um técnico em elétrica para explicar a função do seno e cosseno e contextualizar isso com o fato da pessoa levar ou não um choque ao colocar o dedo na tomada — diz.
AVERSÃO CULTURAL CRIA AMBIENTE NEGATIVO
As atuais dificuldades no ensino da matemática começam antes mesmo de o aluno entrar na sala de aula. Estão em casa, no grupo de amigos, nos meios de comunicação. A noção de que a matemática é “difícil”, “complicada”, “chata” ou uma disciplina rígida em que não há espaço para a criatividade é muitas vezes passada de pais para filhos, desenvolvida nas conversas entre colegas e reproduzida de maneira massiva em revistas, jornais ou programas de TV. Como resultado, se criou o que alguns especialistas chamam de “matofobia” — a aversão ao conteúdo da disciplina.
Isso compromete o ambiente de aprendizagem antes mesmo de o professor pousar o giz no quadro-negro ou começar a falar sobre álgebra, análise combinatória ou equações. O medo dos números predispõe o aluno a ficar nervoso ao tentar resolver problemas, compromete a compreensão do conteúdo e torna a prática de exercícios uma rotina torturante na escola.
TEMA DE CASA
Premiado na 7ªOlimpíada Brasileira de Matemática em Escolas Públicas, em 2011, o professor Armando Furlani, que dá aulas no Instituto Federal Catarinense, em Camboriú, procura na primeira aula quebrar o gelo entre os alunos e a matemática e tentar tirar o preconceito de que o assunto é chato.
— Eu estimulo os estudantes para que gostem da matemática, para eles não verem como um bicho de sete cabeças. Tento explicar de tal forma, que eles vão aprender—conta.
Além disso, ter um bom relacionamento com a turma também ajuda. O professor acredita que aprendizado está ligado com o interesse dos estudantes. Furlani percebe muitos desinteressados, que não prestam atenção na explicação. Por outro lado, quando o aluno é dedicado a recompensa aparece, como o resultado de três alunos na Olimpíada de Matemática, o que deu ao professor a premiação.
AULAS POUCO DESAFIADORAS E BASEADAS NA REPETIÇÃO
Se um mais um sempre é igual a dois, nem por isso as aulas de matemática precisariam ser sempre iguais — mas é isso que costuma acontecer. Essa é outra razão apontada para o mau desempenho dos estudantes brasileiros nessa disciplina — no último Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, sigla em inglês), de 2009, o país ficou em 57º lugar em uma lista de 65 países nessa matéria.
— Na Índia, que está dando uma surra no Brasil nessa área, as crianças aprendem matemática antes de aprender a ler. Aqui se faz do pior nessa área. As aulas são desinteressantes, os livros didáticos são desinteressantes, tudo é automatizado, nada estimula o aluno a pensar. E o mais importante na matemática é raciocinar — critica a professora da Universidade Federal Fluminense e membro da Sociedade Brasileira de Matemática Suely Druck.
Em vez de aplicar os números a situações de interesse de crianças e adolescentes — como a velocidade de corredores e nadadores nas últimas Olimpíadas, por exemplo, ou os números que cercam uma eleição como a deste ano — a especialista avalia que o ensino ainda está muito preso a antigas fórmulas e sem relacionar a matemática a necessidades reais do dia a dia.
— Fazer exercícios do tipo “fulano tinha tantas balas e depois ganhou mais tantas balas” é uma prática que deveria ser substituída por tarefas mais desafiadoras e estimulantes, com jogos, utilização de tecnologia. Dá para fazer muita coisa — ensina a especialista.
EXERCÍCIO
Veja a posição relativa do Brasil no ensino de matemática em comparação a outros países, conforme o mais recente Pisa:
1. Shangai (China)
2. Singapura
3. Hong Kong
4. Coréia do Sul
5. Taiwan
6. Finlãndia
7. Liechtenstein
8. Suíça
9. Japão
10. Canadá
…
56. Jordãnia
57. Brasil
58. ColÔmbia
Retrato do ensino
O estudo Rejeição à Matemática: Causas e Formas de Intervenção traz entrevistas com 285 alunos do Ensino Médio no Distrito Federal e serve de exemplo para a situação em muitas escolas. Veja o resultado:
…92% dos alunos disseram que o professor nunca utiliza a sala de vídeo, embora a escola tenha uma
…91% relataram que o professor nunca utiliza computador ou sala de informática
…61% disseram que o educador nunca utiliza jogos, reportagens de jornais ou revista ou outros materiais para dinamizar as aulas
TEMA DE CASA
Formado e pós-graduado em matemática, o professor Carlos André de Melo prepara-se para um mestrado. O foco da especialização não será os cálculos e sim metodologias para deixar o ensino mais atraente. É este o desafio com que Kandeco, como é conhecido, convive todos os dias.
O professor, que dá aulas no colégio Gardner, em São José, para alunos do ensino fundamental e do médio, também procura respostas para o baixo aprendizado na disciplina.
— Os estudantes hoje se dispersam muito fácil. Também acho que falta dedicação aos estudos. Estou sempre levando alguma atividade para chamar atenção. Quando percebo que eles estão distraídos, eu faço uma brincadeira ou lanço um desafio — diz.
Os desafios a que o professor se refere são pequenos problemas, que envolvem raciocínio nas soluções. Esta é a atividade que os alunos mais gostam. Outras táticas são os jogos didáticos e a lousa digital, que possibilita a interação dos alunos com os exercícios.
Antenado para a mudança do perfil dos estudantes, ele tem como aliada a internet, onde procura vídeos. Mesmo na rede pública, onde também dá aulas, e sem acesso à rede, ele leva vídeos no laptop. Outra estratégia de Kandeco é associar a matemática com a vida real. Os exemplos dados pelo professor são os vivenciados pelos alunos.
DEFICIÊNCIA NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
A matemática não costuma ser uma armadilha apenas para os estudantes, mas também para os professores. Muitas vezes, a dificuldade percebida nas aulas dessa disciplina têm origem na formação inadequada ou na escassez de educadores da área. Para o doutor em Psicologia Escola e do Desenvolvimento Humano e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernando Becker, esse é o principal obstáculo para um melhor desempenho do alunado — principalmente no caso dos educadores de séries iniciais do Ensino Fundamental.
— Há despreparo nas duas dimensões fundamentais: no domínio do conteúdo e na compreensão de como a criança forma as competências necessárias para aprender. Muitas vezes, professoras de 1º e 2º ano do Fundamental mandam as crianças repetirem contas que ainda não entendem quando deveriam utilizar mais recursos como brincadeiras — avalia Becker.
Além disso, na visão do especialista, autor do livro A Epistemologia do Professor de Matemática, as faculdades não orientam o futuro educador a compreender em maior profundidade o que é a matemática e qual a melhor maneira de ensiná-la.
—O ícone da minha pesquisa foi um professor de mestrado e doutorado, doutor em matemática pura, que disse que há três formas de se aprender matemática: fazer muito exercício. A segunda, mais exercício. A terceira, fazer tanto exercício até estrebuchar no chão. Pode ser um gênio matemático, mas um completo imbecil em pedagogia. Esses professores ensinam assim — lamenta Becker.
EXERCÍCIOS
1. Pesquisa realizada na Faculdade de Educação da USP mostra que praticamente metade dos alunos de cursos superiores como Pedagogia ou licenciaturas não se interessam em virar professores de Educação Básica — o que contribui para diminuir a qualidade do corpo docente:
— 52% dos estudantes de Física
— 48% dos estudantes de Matemática
— 30% na área de Pedagogia
2. Um relatório de 2007 da Cãmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) afirmava que o Brasil tinha um déficit de 245 mil professores de química, física e matemática.
3. Um estudo realizado em 62 escolas estaduais porto-alegrenses de Ensino Médio relacionou uma melhor formação dos educadores com níveis de reprovação mais baixos:
— Escolas com baixo índice de reprovação (abaixo de 25%) — 100% dos professores com pós-graduação em matemática
— Escolas com índice médio de reprovação (25% a 49%) — 53,9% dos docentes com pós-graduação
— Escolas com alto índice de reprovação (acima de 49%) — 16,7% dos docentes com pós-graduação
Aprendizagem Matemática e a Relação entre Formação Docente, Práticas Metodológicas e Matofobia, de Vera Lucia Felicetti e Lucia Maria Martins Giraffa
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