O relógio marcava 22h30min naquele sábado de setembro de 2011, quando o motoboy Elton Luiz Eger voltava de motocicleta com a esposa, Priscila Michelle Nogueira, abraçada à sua cintura na garupa da motocicleta, após um dia longo de trabalho.
O destino era a casa nova, já em fase de acabamento, no Rio Vermelho, Norte da Ilha, erguida pelo casal para ser o lar do bebê que Priscila carregava há quatro meses no ventre. Mas Elton nunca chegou ao destino planejado. Aos 26 anos, sua vida foi interrompida em um acidente violento, provocado por carros que faziam racha na SC-403, a 160km/h, e se chocaram na contramão com a moto, que vinha a 40km/h.
Elton e Priscila foram personagens de um cenário alarmante, diagnosticado pelo Ministério da Saúde em um levantamento divulgado na última semana, com base em dados do SUS. Pela primeira vez, os acidentes de motocicleta são responsáveis pelo maior número de mortes no trãnsito brasileiro. Em 2010, mais de 10 mil motociclistas morreram no Brasil – uma estatística que cresceu 21% desde 2008.
Região concentra mais internações
Em Santa Catarina, foram 561 óbitos em 2010, superando as 552 mortes provocadas por acidentes de carro.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Secretaria de Estado da Saúde, a maioria dos registros de internação em hospitais de Santa Catarina ocorre na Grande Florianópolis— um dado que se explica, em parte, pelo fato de os centros de referência em ortopedia se concentrarem nos hospitais Governador Celso Ramos e Regional de São José.
Consequências que vão além da saúde
As consequências do acidente transformaram a vida de Priscila, que perdeu o bebê e, nove meses depois do acidente, ainda luta para se recuperar fisicamente das lesões. Ela fraturou a canela, o joelho, a tíbia e a bacia. A perna esquerda foi dilacerada e recebeu um enxerto, retirado da coxa direita. Enquanto se recupera da cirurgia, após a terceira internação, os ossos continuam quebrados – uma dor que só a morfina alivia.
—Mudou tudo na minha vida. Eu planejava fazer faculdade de Pedagogia, mas não vou mais. Meu joelho nunca mais vai dobrar e vou me aposentar por invalidez— lamenta a jovem de 23 anos.
A mãe de Priscila, Conceição Nogueira, deixou de trabalhar para cuidar da filha, o que apertou ainda mais o orçamento da família.
Falta mobilidade e infraestrutura
O professor do Departamento de Saúde Pública da UFSC, Lúcio José Botelho, do Grupo de Pesquisas em Epidemiologia de Acidentes de Trãnsito, analisa que o aumento das mortes de motociclistas segue o crescimento das vendas de motos. Segundo o Denatran, a frota cresceu 27% entre 2008 e 2010 no Brasil. São mais de 16 milhões de motos nas ruas— 712,5 mil em Santa Catarina, sendo 39,3 mil na Capital.
Para o pesquisador, a popularização do veículo é uma consequência da falta de mobilidade urbana e infraestrutura precária. Com as cidades saturadas de carros, a moto é a solução ágil e barata:
—Junte isso ao fato de que as obras de infraestrutura rodoviária vêm para dar velocidade ao trãnsito, sem considerar as consequências para a vida. São estradas genocidas— diz Lúcio.
Quase R$ 100 milhões de gasto
Para a diretora de Análise de Situação em Saúde do Ministério da Saúde, Deborah Malta, os dados são assustadores e configuram uma epidemia de mortes por acidentes de motocicleta no país, com impacto alarmante sobre o sistema público de saúde. No ano passado, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 96 milhões em internações por acidentes de moto no país – R$ 4,4 milhões em Santa Catarina, quase o dobro dos R$ 2,4 milhões gastos em 2008.
—Os óbitos de motociclistas têm impacto sobre a saúde pública e sobre a estrutura econÔmica e psicológica das famílias, que convivem com um sofrimento enorme – avalia diretora.
Rodovia e meio urbano
Na Grande Florianópolis, Lúcio enfatiza que a característica particular é ter rodovias movimentadas, como a BR-282 e a SC-401, cortando regiões urbanizadas.
—A BR-101 é a principal via para Florianópolis e também liga Palhoça, São José e Biguaçu. Na mesma via você tem o caminhão de cargas e o motociclista que vai comprar pão na padaria— explica o professor, reforçando que a falta de transporte público agrava o problema.
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