“Deixei de comer algumas vezes para dar para ele”, lembra a desempregada. “A gente passou muita coisa nessa vida, mas o Lucas sempre foi um menino muito bom. Trabalha desde o ano passado. Entrava às 5h30 e nunca reclamou. E nÃo quer que a irmà trabalhe, quer que ela só estude. Ele me dá muito orgulho, é uma bênçÃo.”
O garoto estuda pela manhà e trabalha no período da tarde, de segunda à sexta, como auxiliar administrativo de um hospital. Ele recebe meio salário mínimo pelo trabalho, além de pouco mais de R$ 200 de pensÃo dos avós paternos. Sonhando em ser militar ou engenheiro, o menino se diz surpreso com a reaçÃo das pessoas à atitude de devolver o dinheiro.
“Na verdade, assim, fico um pouco triste por ser algo que vire notícia. Queria que fosse algo mais frequente. Algumas pessoas estÃo surpresas por eu ter feito isso, mas eu nÃo entendo, nÃo é motivo para isso”, declarou ao G1. “Quando eu vi o dinheiro, imediatamente eu pensei na situaçÃo financeira da minha mÃe e do meu padrasto, mas em momento algum eu pensei em tirar aquele dinheiro para mim. NÃo era meu.”
Lucas chegou a ser criticado por colegas, que o chamaram de “burro” por ter devolvido os R$ 1,6 mil. A mÃe diz que o menino ficou triste com a situaçÃo e que por isso se esforçou durante o dia para animá-lo.
“Ele perguntou se eu me decepcionei por ele ter devolvido. Passei o dia inteiro lembrando do olhar dele, por causa do xingamento dos colegas. Aquilo me doeu. Mandei mensagem dizendo que eu tinha muito orgulho dele”, conta.
Bom exemplo
Lucas Yuri Bezerra, de 16 anos, achou a carteira no caminho da escola. Dentro havia R$ 1,6 mil, o orçamento de uma oficina mecânica e um telefone anotado, mas nenhum documento. “Achei que alguém tivesse jogado fora. Dei para o meu amigo brincando. Ele acabou jogando para cima, também brincando. Quando ela subiu é que a gente viu o dinheiro. Ele catou e saiu correndo, dizendo que era dele. A gente conversou, e eu o convenci a devolver.”
IA coordenadora Rivânia de Araújo ajudou o menino a encontrar o dono quase dez horas depois que a carteira foi achada. O pedreiro aposentado Benício Eleutério, de 66 anos, acabou deixando a carteira no lixo quando saía para levar a mulher ao médico. Ela sofre de problemas no joelho e anda com dificuldades.]
O dinheiro – correspondente a todo o benefício que recebe – seria utilizado para pagar as contas de casa, abastecer o carro e comprar remédios. O idoso só notou que tinha perdido a carteira quando chegou ao Hospital Universitário de Brasília, a quase 25 quilômetros de distância.
De volta em casa, ele lembra de ter se desesperado ao nÃo encontrar o dinheiro. “Fiquei louco sem saber o que fazer, porque nÃo tinha mais nenhum tostÃo. Fiquei pensativo”, diz. “[Quando buscou a carteira na escola] Fiquei muito feliz de ver que ainda tem gente boa no mundo, porque a gente vê muita gente que nÃo presta. Mas ainda tem gente que vale muito. Esse dinheiro é essencial, era tudo o que eu tinha.”
A devoluçÃo aconteceu na escola, e Eleutério acabou descobrindo que Lucas é neto de um amigo. A avó do garoto, Docarmo Alexandre da Silva, se disse orgulhosa da postura dele.
“Achei um gesto muito bonito, fiquei muito emocionada. NÃo esperava outra coisa dele, ele é um menino muito abençoado”, declarou ao G1.
Mesmo tendo três irmÃos e com a mÃe e o padrasto desempregados, Lucas diz que em momento algum cogitou ficar com os R$ 1,6 mil.
“O dinheiro nÃo era meu. EntÃo nÃo era certo. Mesmo que eu nÃo achasse o dono, eu nÃo conseguiria gastar. Simplesmente nÃo era meu. NÃo podia gastar, mesmo sem saber. Se eu gastasse, sentiria que eu tirei o dinheiro de alguém”, explica. “Fiquei realmente preocupado de nÃo achar.”
A coordenadora Rivânia de Araújo conta que questionou colegas do jovem e que poucos disseram que teriam a mesma atitude que a dele. “Muitos disseram que nÃo entregariam, até porque nÃo tinha documento.”
“[A sensaçÃo é de] Dever cumprido. A gente está vendo só notícia ruim da nossa periferia, aqui em Samambaia, e quero crer que, como o Lucas Yuri, têm muitos Lucas aqui na escola”, completou a coordenadora.
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