“Lembro exatamente das quatro primeiras vezes que a vi: em uma agência bancária, na loja onde ela trabalhava, em uma rua quando eu estava andando de ônibus e no dia do jogo Brasil e Polônia, em 16 de junho de 1986. Nessa época, eu achava que nÃo teria nenhuma chance com a Gláucia. Ela era muito linda, uma gata”, lembra Adílio.
No entanto, uma surpresa acabou unindo os dois: Gláucia começou a trabalhar na mesma rádio que Adílio e os dois ficaram amigos.
“Um dia eu estava andando no trabalho, quando ela me chamou de 'lindo'. Eu digo que esse foi o primeiro milagre da minha vida, tanto é que quase nÃo acreditei. Alguns dias mais tarde começamos a namorar e no mês seguinte já estávamos morando juntos e muito felizes. Ela cuidava de mim como ninguém”, descreveu.
Na época, Gláucia já tinha uma filha e revelou que também estava grávida. “Quando eu soube que ela estava esperando um bebê, prometi que iria criá-lo com ela. Foi o que aconteceu e nos anos seguintes tivemos mais dois filhos e nos casamos oficialmente em 1995.
Cinco anos morando no hospital
A guinada na vida do casal aconteceu mesmo em 2007, quando a esposa sofreu o AVC isquêmico de ponte. O problema afetou a circulaçÃo sanguínea do cérebro, perda de células e, consequentemente, da consciência. Na época, os médicos disseram que Gláucia tinha entre oito e quatro horas de vida”, conta.
“Meu mundo estava ruindo, mas um episódio me fez ver tudo de forma diferente: um vizinho soube do que tinha acontecido, e me disse para ter fé, pois tudo só dependia de Deus. Acreditei nisso e nunca mais perdi a confiança”, recordou.
Depois de internada, Gláucia ficou 5 anos e meio no hospital. Nesse período, alguns dias foram passados na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), onde Adílio nÃo poderia ficar durante as noites. Para compensar, ele ligava para o hospital antes de dormir e pedia que os enfermeiros dessem um recado à esposa: “Diga a ela que eu a amo”.
No período de internaçÃo, Adílio dividia o tempo entre o hospital e o trabalho. “Nossos filhos faziam o mesmo e sempre acreditávamos que um dia ela iria sair de lá. Comecei a me preparar para isso e no dia 21 de dezembro deixamos o hospital rumo à nossa casa”, descreveu.
Morando novamente na casa onde viviam antes do AVC, o casal teve que se adaptar. Um leito hospitalar foi levado para dentro do quarto e as penteadeiras foram ocupadas por remédios, aparelhos e a alimentaçÃo especial que é dada a Gláucia.
“Enfrento provações diárias, mas acredito que tudo o que faço pela Gláucia é fichinha. Sei que se fosse o contrário, ela com certeza cuidaria de mim muito melhor do que eu cuido dela”, diz Adílio.
No entendimento do neurologista Ruy Guilherme, o quadro de estado vegetativo consiste na manutençÃo única do sistema nervoso autônomo, que inclui a respiraçÃo e os batimentos cardíacos, mas excluí a consciência. Desta forma, o paciente diagnosticado com o problema, tem apenas as funções vitais preservadas.
Por isso ele explica que, conforme a literatura médica, a possibilidade de um paciente em estado vegetativo voltar à consciência é mínimo. “Existem casos esporádicos de pessoas que saem desse estado. No entanto, isso é extremamente raro”, disse.
Relatórios diários
Desde que Gláucia sofreu o AVC e entrou em estado vegetativo persistente, Adílio criou o hábito de anotar tudo o que acontece no dia a dia dela. Pequenas coisas como 'urinou', 'tomou banho', 'recebemos visitas' e 'virei Gláucia de lado na cama', ganham horário e sÃo colocadas nos relatórios. A ideia de Adílio é mostrar tudo para a esposa quando ela voltar.
Adílio e os relatórios diários que faz sobre o dia a dia de Gláucia; 'Vou mostrar tudo para Gláucia quando ela voltar' (Foto: Emily Costa/ G1 RR)
“Assim ela vai saber tudo o que aconteceu neste período em que esteve longe de mim”, adianta, contando que espera estar ao lado da mulher, quando ela retormar a consciência. “Quando acontecer, vou ajudá-la a tirar os equipamentos da traqueostomia e a gastrostomia. Ela vai voltar, eu creio nisso, e nÃo vai demorar”.
Para Daniel Bezerra, filho caçula do casal, a história dos pais é um exemplo. Ele, que tinha 14 anos quando viu Gláucia ser vítima do AVC, diz também acreditar no retorno da mÃe.
“O fato dela ter sobrevivido é um milagre, por isso cremos na transformaçÃo dela”, afirma, contando que também escolheu se dedicar à mÃe para retribuir os cuidados recebidos durante a infância. “Antes do AVC, ela cuidava da gente com muito carinho. Agora, é a nossa vez de fazer isso por ela”.
Compartilhando o amor
Adílio mantem ainda três perfis no Facebook para contar ao mundo sobre o romance com a esposa. Um é dele, o outro dela e o terceiro dedicado aos dois. Na rede, ele tem contato com pessoas do mundo todo e participa de dezenas de grupos de oraçÃo.
“Tenho orgulho da nossa história de amor. Por isso, a compartilho com muitas pessoas e até costumo pensar que, embora haja um sofrimento pelo fato de eu estar sem a mulher da minha vida esse tempo todo, a nossa história de amor já transformou outras vidas”.
Sobre o Dia dos Namorados, Adílio diz nÃo planejar nada de especial para sua 'eterna namorada'. “NÃo escolho apenas um dia para dizer que a amo. Prefiro namorá-la todos os dias e me dedicar a isso diariamente. Afinal, ela é o meu presente e eu espero ser o presente dela”.
No sentido horário: os filhos Daniel, Aline (filha apenas de Gláucia) e o filho Gabriel, Abílio Neto e Adílio Bezerra ao lado de Gláucia (Foto: Arquivo pessoal)
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