Home “Em 10 anos, visitei o centro da cidade apenas duas vezes”

“Em 10 anos, visitei o centro da cidade apenas duas vezes”

Última atualização 15 de maio de 2015 - 08:38:54
A décima primeira ediçÃo dos Jogos Abertos Paradesportivos de Santa Catarina (Parajasc), realizado no último mês em SÃo Miguel do Oeste, desenterrou a discussÃo sobre a falta de acessibilidade no município. A questÃo voltou à tona quando atletas vindos de diversas regiões do estado foram entrevistados pelos veículos de comunicaçÃo local e colocaram em evidência a dificuldade de locomoçÃo dentro de uma cidade polo, que ao receber diversos atletas do Parajasc, nÃo oferece as condições necessárias para que as pessoas com necessidades especiais possam se deslocar. As reclamações feitas pelos próprios atletas referiram-se tanto a falta de acessibilidade no centro, em especial, nas calçadas passeios, quanto nos estabelecimentos comerciais e ginásios de esporte.

Promotor de Justiça Maycon Robert Hammes (Foto: Claudia Weinman)
Os questionamentos, que vieram ‘de fora’, também refletiram na divulgaçÃo de um encaminhamento do Ministério Público Estadual e Federal, junto as prefeituras, sobre a assinatura de cinco termos de ajustamento de conduta (TAC), com os municípios de SÃo Miguel do Oeste, Paraíso, Barra Bonita, Bandeirante e Guaraciaba. Os termos, referem-se a exigência da adequaçÃo dos imóveisconstruções e passeios públicos, os quais, deverÃo a partir da data de assinatura do termo, feita ainda em fevereiro deste ano, se adequar aos termos de responsabilidade previstos na legislaçÃo federal.
Em conversa com o Promotor de Justiça Maycon Robert Hammes, a reportagem do Jornal Gazeta Catarinense foi informada que nos últimos meses, algumas reuniões foram realizadas com os prefeitos dos cinco municípios citados e no mês de fevereiro enfim, os termos de ajustamento de conduta foram assinados. Segundo o promotor, cada município assinou um termo de acordo com a realidade de sua cidade. “Acreditamos que a assinatura destes termos devem contribuir com a acessibilidade nos municípios. Tivemos o Parajasc há pouco tempo e ficamos sabendo da reclamaçÃo de muitos atletas. Com base nisso também, é missÃo de todos nós buscarmos a evoluçÃo da sociedade sendo a acessibilidade uma das prioridades para que se cumpra a cidadania”, frisa.
Hammes enfatiza que entre os pontos destacados no termo de ajustamento de conduta, estÃo a exigência da observância das normas de acessibilidade quando da aprovaçÃo de projetos arquitetônicos. Segundo ele, existem prédios antigos que foram construídos há 20, 30 anos, em um período histórico em que essas normas de acessibilidade nÃo existiam, porém, Hammes destaca que os tempos sÃo outros e as normas de acessibilidade foram regulamentadas por meio do decreto federal nº 5.2962004, que devem ser cumpridas.

Prédios novos e antigos

Conforme o Promotor, existem duas situações que devem ser observadas. A primeira delas diz respeito a construçÃo de novos edifícios onde todas as regras de acessibilidade devem ser respeitadas, seja na parte interna ou externa (calçadas). “O município só pode expedir a emissÃo do alvará de construçÃo se o projeto estiver com todas as regras de acessibilidade observadas. Além disso, o fiscal de obras da prefeitura vai ter que verificar se essas regras foram executadas para entÃo liberar o habites”, explica.
Já em prédios construídos há mais de 20 anos, os proprietários vÃo ter o prazo de cinco anos para adequar-se as novas regras, cujo tempo passou a validar a partir da assinatura do TAC em fevereiro. “O município vai ter que exigir quando da renovaçÃo dos alvarás, que essas pessoas apresentem um cronograma para adequaçÃo. Somente nÃo vÃo se adequar, os proprietários de edifícios antigos que comprovarem por meio de um laudo assinado por um engenheiro, que nÃo há possibilidade de fazer adequaçÃo”, informa.
Já quem preferir nÃo se adequar a tais normas, segundo Hammes, vai passar por vários problemas. “Primeiro: o município nÃo deve aprovar um projeto sem estar de acordo com as normas de acessibilidade, e o mesmo se aprovar, estará sujeito a pena de estar desrespeitando o TAC e incidindo a multa prevista. A construçÃo será embargada por uma açÃo judicial promovida pelo Ministério Público. O proprietário também pode perder o alvará e sofrer açÃo judicial, isso vale para qualquer obra, seja ela pública ou de particulares”, argumenta Hammes, acrescentando ainda, a pena de multa prevista em R$ 5 mil reais por evento, isto é, por alvará renovado sem as alteraçõesadequações.
Notificações

Hammes explica que a prefeitura deverá notificar até o final de 2015, os proprietários de bens imóveis, para que estes, realizem a adequaçÃo solicitada no centro da cidade até o final do ano de 2016. Nos bairros, segundo o promotor, a notificaçÃo deverá ser feita até o final de 2016 para que realizem a adequaçÃo até o final de 2017. Ainda conforme Hammes, a adequaçÃo de passeios públicos é indispensável, isso porque, conforme ele, neste caso nÃo há o argumento de que o passeio seja de direito adquirido como acontece com os proprietários de alguns prédios muito antigos. “Tem que ser adequado”, enfatiza.
Nas últimas modificações feitas pelo município na legislaçÃo municipal, algumas exigências estÃo previstas conforme Hammes, tais como, rampa elevatória para as calçadas e sinalizaçÃo. Outras exigências serÃo cobradas em estabelecimentos como teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, casa de espetáculos, salas de conferências e similares, localizados no centro da cidade ou em bairros. Conforme o promotor, nestes casos será necessária a adequaçÃo até o final do ano de 2016. Exemplos de estabelecimentos que deverÃo passar por adequaçÃo até o final de 2016 em SÃo Miguel do Oeste, sÃo o Parque de Exposições Irineu Gransotto, o centro administrativo, biblioteca municipal, centro cultural, postos de saúde, ginásios de esportes e escolas municipais, isso porque, segundo o promotor, sÃo locais que recebem grande público frequentemente. Já os estabelecimentos como salões de beleza, vÃo ter o prazo de cinco anos, sendo que, segundo Hammes, a adequaçÃo é de responsabilidade do proprietário do imóvel, que vai adequar o estabelecimento e a calçada. “As obras públicas sÃo de responsabilidade do poder público, os empreendimentos particulares competem aos seus proprietários”, diz Hammes.
Outro ponto importante destacado pelo Promotor, diz respeito a fiscalizaçÃo do cumprimento das normas. Segundo ele, o Ministério Público pode a qualquer momento solicitar informações sobre a situaçÃo de cada imóvel.

Moradores serÃo notificados ainda neste ano

A populaçÃo de SÃo Miguel do Oeste já pode se preparar para as adequações previstas nas normas de acessibilidade. Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano, Cássio da Silva, até o final deste ano serÃo notificados os moradores do centro e também, do bairro Sagrado CoraçÃo de Jesus. “Eles vÃo ter o prazo de um ano para adequar as calçadas. Do mesmo modo, no ano que vem, serÃo notificados todos os outros moradores dos demais bairros e estes vÃo ter até o final de 2017 para adequar-se as questões das calçadas”, ressalta.
Segundo Silva, a assinatura do termo de ajustamento de conduta foi aceita positivamente pelo município, inclusive, segundo o secretário, na cidade estÃo sendo investidos R$ 240 mil em medidas de acessibilidade. “Acreditamos que isso vai ser bom para todo mundo. Precisamos pensar uma cidade para as pessoas e nÃo apenas para veículos”, enfatiza.


As dificuldades esbarram nas calçadas que sÃo altas demais para passar com a cadeira de rodas, a presença de pedras irregulares e raízes de árvores, buracos, lixo no meio das calçadas e utensílios utilizados em construçÃo de prédios. Tudo isso têm sido motivo para que a aposentada Cleusa Arienti, 42 anos, permanecesse por 10 anos sem sair de casa

Cleusa diz que nÃo há possibilidade de frequentar uma rua sem rampa de acesso (Foto: Claudia Weinman)
Apesar de ter sido discutida diversas vezes em SÃo Miguel do Oeste, a questÃo da acessibilidade parece nÃo estar entre as prioridades no município segundo a moradora do bairro SÃo Gotardo Cleusa Arienti, 42 anos, aposentada. Cleusa teve paralisia infantil com dois anos de idade, há 40 precisa utilizar a cadeira de rodas para se locomover pela cidade. O mais espantoso disso, é que, nestes 10 anos que reside no município, conseguiu visitar o centro apenas duas vezes.
Segundo Cleusa, apenas quem vive a realidade e depende da ajuda de terceiros para empurrar uma cadeira de rodas, ou levantá-la quando nÃo há possibilidade de subir em uma calçada, é que pode sentir a importância que é a implementaçÃo urgente das medidas de acessibilidade. “Quando comprei a cadeira motorizada, depois de muito esforço, pensei: ‘Era o que eu precisava para sair sozinha’, mas, acabei indo para o centro da cidade apenas duas vezes, nÃo tem condições”, relata.
Conforme Cleusa, as dificuldades esbarram nas calçadas que segundo ela, sÃo altas demais para passar com a cadeira de rodas, a presença de pedras irregulares e raízes de árvores, buracos, lixo no meio das calçadas e utensílios utilizados em construçÃo de prédios. Pelo fato de morar no bairro SÃo Gotardo, Cleusa precisa atravessar a avenida Willy Barth para chegar até o centro da cidade, fato este, que também limitou a sua saída de casa. “Tudo isso impediu que eu fizesse várias coisas. Como nÃo posso andar na calçada, o asfalto me oferece risco de ser atropelada”, contextualiza.
Até mesmo coisas simples de se fazer, como entrar em uma loja para comprar uma peça de roupa se tornou algo impossível para Cleusa. “Às vezes eu gostaria de comprar uma roupa, de poder escolher o que me agrada, e preciso pedir para que alguém da família traga para eu provar em casa. Isso gera muito transtorno”, diz ela.
Cleusa diz que sente-se entristecida ao saber que o assunto da acessibilidade só voltou a ser comentado com mais intensidade após os jogos do Parajasc. “Foi preciso que pessoas ‘de fora’ viessem falar sobre a falta de acessibilidade. A gente que mora aqui e vive essa realidade no dia a dia, nÃo tem essa visibilidade. Esperamos que agora isso nÃo fique no papel como ficou várias vezes, porque nós vamos cobrar”, garante.


Com carro adaptado, Janaina sente-se mais independente e diz que já enfrentou dificuldades pela falta de acessibilidade (Foto: Claudia Weinman)
A questÃo da acessibilidade além de estar ligada aos critérios contidos nos termos de ajustamento de conduta, é intrínseca a toda forma de inclusÃo. Possibilitar o direito de ir e vir é constitucional e nenhum dinheiro é capaz de comprar o sentimento de independência de uma pessoa. Por isso, nesta reportagem, foi conveniente tornarmos evidente a história da jovem Janaina Gruber, 24 anos, de SÃo Miguel do Oeste. A garota, que é cheia de sonhos, recentemente foi presenteada pela família com um carro adaptado, isso porque, Janaina sofreu uma lesÃo no cérebro durante o período em que ficou na incubadora do hospital, logo que nasceu, aos sete meses de vida. Com isso, ela teve uma lesÃo no cérebro que acabou afetando os movimentos das pernas.
O fato de sempre depender das pessoas para sair de casa a perturbava. “Meu pai muitas vezes estava trabalhando e eu precisava pedir para ele para me levar à fisioterapia. Ou entÃo, solicitava que minha irmà Jéssica me levasse até a aula de gaita e me trouxesse para casa após o término”, relata.
Com a aquisiçÃo de um carro adaptado há pouco mais de um mês, Janaina diz que sente-se mais independente e o sentimento agora é de realizaçÃo. “Dá mais ânimo para fazer as coisas. Posso ir na fisioterapia sozinha ou quando vamos visitar alguém eu posso ir dirigindo, mas claro, ainda tenho um pouco de receio do trânsito e procuro nestes casos, ter alguém junto comigo”, conta.
Para Janaina, que já enfrentou várias dificuldades em subir escadas e visitar locais sem acessibilidade, todas as pessoas precisam ter o direito de ir e vir. “Precisamos ter acesso, é nosso direito. Graças a Deus eu tenho uma família que sempre me apoiou. Meus pais e minha irmà sempre estiveram comigo e inclusive me possibilitaram a realizaçÃo da compra deste carro que também me dá hoje acesso a outros lugares. Mas para quem nÃo tem essa sorte, a vida é muito complicada. Minha família e muitas pessoas me fizeram acreditar que eu podia dirigir e hoje eu vejo que nÃo apenas dirigir é meu direito, mas também, ser possibilitada de conseguir chegar aos lugares que todas as pessoas frequentam é responsabilidade coletiva”, finaliza.

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