Imagine se, no começo do mandato, cada deputado federal ganhasse de presente da Cãmara um belo carro: sedã preto, confortável, cãmbio automático e banco de couro. E mais um segundo carro, popular, para rodar no seu reduto eleitoral.
Pode parecer absurdo, mas sairia mais barato do que os R$ 58,1 milhões que os parlamentares já gastaram com aluguel de veículos nessa legislatura, desde 2011. E ainda falta um ano e meio de mandato.
Se cada um dos 513 deputados recebesse um Fluence (modelo usado como referência nesta reportagem por ser o carro oficial dos senadores) e um carro popular de R$ 25 mil, o custo seria de R$ 47,1 milhões. Ainda sobrariam R$ 11 milhões.
Os R$ 58,1 milhões— valor suficiente para adquirir 418 Ônibus escolares ou 243 UTIs móveis— constam em levantamento feito pelo Diário Catarinense, com base em dados abertos fornecidos pelo Portal da Transparência da Cãmara, sobre as despesas de reembolso. Em média, cada parlamentar brasileiro gasta R$ 3,5 mil por mês em locação.
A verba indenizatória para locação de carros ou embarcações integra a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, ajuda de custo que a Cãmara oferece para despesas como hospedagem, alimentação e passagens aéreas. O valor da cota varia conforme o Estado de origem do político, que para Santa Catarina é de R$ 33.721,16 mensais por deputado.
No caso da bancada catarinense, com 16 integrantes, o reembolso foi de R$ 1,3 milhão. Quem mais usou a verba com carros foi Luci Choinacki (PT), com R$ 249,1 mil (média de R$ 7,7 mil por mês). Segundo a assessoria da deputada, ela aluga dois Palios e dois Logans, que ficam nos escritórios de Florianópolis, regiões Oeste, Sul e Alto Vale. Os quatro carros são usados pela petista e por seus assessores. Ligada à agricultura familiar, em média, Luci visita 12 municípios por semana.
Em geral, os deputados mantêm um carro em Brasília e outro no Estado. Optam por circular em caminhonetes na base e em sedãs na Capital Federal. Os altos valores com ressarcimento são tema de debate recente na Cãmara. O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga possíveis abusos, como locação de veículos de empresas fantasmas, a fim de simular locações para desviar recursos da cota.
A Mesa Diretora da Cãmara pretende estabelecer nos próximos meses um teto para os alugueis de veículos, entre R$ 6 mil e R$ 10 mil, além de montar um cadastro nacional das locadoras que poderão atender os parlamentares. A intenção é conferir o CNPJ das empresas e impedir que fantasmas sirvam aos deputados.
—Se há falhas, temos que corrigi-las. O desvio, o abuso é exceção, não é a regra— afirmou Henrique Alves, ele mesmo alvo de investigação pelo Ministério Público federal sobre o tema antes de assumir a presidência da Cãmara.
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