Sebastião Rocha, 56 anos, viaja de Quilombo, no Extremo-Oeste de Santa Catarina, para Florianópolis há 10 anos. Ele trabalhou como caminhoneiro desde a adolescência e, devido à forte claridade refletida pelo capÔ do veículo, desenvolveu um cãncer no olho esquerdo. Não foi possível conseguir diagnóstico e tratamento na sua cidade, nem em Chapecó e Lages. Por isso, em janeiro de 2003, ele foi recebido pela equipe do Hospital Regional de São José. Sebastião perdeu as contas de quantas vezes precisou sair de casa para conseguir atendimento médico. Segundo ele, foram incontáveis, e o fizeram se hospedar em quase todas as casas de apoio da Capital. O caso dele é uma repetição do que ocorre em todo o país.
Especificamente em Santa Catarina, não há falta de médicos formados ou contratados para o Sistema Único de Saúde (SUS); o que ocorre é uma distribuição que privilegia as maiores cidades. Somente Florianópolis, Blumenau e Joinville concentram 31,32% dos 7.157 médicos em hospitais, postos de saúde e unidades médicas públicas nos 295 municípios do Estado. Os dados são do Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
Santa Catarina apresenta um índice acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de um médico para cada 1000 habitantes. A razão estadual de médicos que atuam somente no SUS é de 1,13 para 1000. O número posiciona o Estado em 7º lugar nacional. Mas o próprio resultado da pesquisa revela: a diferença de profissionais disponíveis para as cidades do interior e das capitais, em todo o país, é sempre desproporcional. A razão de médico por habitantes é, em média, duas vezes maior na capitais do que no interior em todo o Brasil.
::Metade dos pacientes são do interior de SC
Florianópolis comprova a teoria: tem 2,54 médicos para cada 1000 habitantes, acompanhando o fenÔmeno da “litoralização” da saúde.
– Não existe carreira médica no serviço público. Em Florianópolis, o médico vai começar a trabalhar e ir crescendo. Porque um médico vai querer ir pro interior? Não temos uma infraestrutura montada lá – opina o coordenador do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, Carlos Eduardo Andrade, sobre a falta de aderência dos estudantes após a graduação.
Desde 2012, foram abertos pelo Estado 15 editais para contratação. Ibirama, Alto Vale do Itajaí, foi o município com mais oportunidades. Foram 48 vagas, a maioria foi relançada, já que ninguém pÔde ou quis ocupá-las.
O índice de Florianópolis de 2,54 médicos para cada mil habitantes ignora o número de pessoas que viajam do interior para consultas na Capital.
O ambulatório do Hospital Universitário (HU) teve quase metade de seus atendimentos em 2012 provindos do interior do Estado. Foram 88.349 atendimentos de moradores da Capital, contra 73.313 de outras cidades (47,5%). Entre os internados, 46,16% são de outras cidades.
Nos hospitais Celso Ramos, Nereu Ramos, Regional de São José e Infantil – 20,68% dos atendimentos em janeiro e fevereiro deste ano foram para pacientes do interior do Estado.
::Contraste pode crescer
Historicamente, há um crescimento no número de médicos por habitante, de acordo com levantamento do Conselho Federal de Medicina realizado desde 1980. A previsão a longo prazo é de que Santa Catarina alcance uma média superior à existente atualmente em países referência da Europa, como na Alemanha, que registra 3,53 médicos para cada 1000 habitantes.
Em 2050, Santa Catarina deve ter uma razão de 4,32 médicos para 1000 habitantes. Entretanto, segundo o coordenador do curso de Medicina da UFSC, Carlos Eduardo Andrade, se não houver uma mudança, a tendência é que o contraste entre Litoral e outras regiões aumente.
::Da Costa Rica para o interior catarinense
O Oeste de Santa Catarina tem carências na área de saúde como a oncologia pediátrica. Mas investimentos previstos podem fortalecer Chapecó como um polo regional. Cerca de R$ 60 milhões devem ser investidos nos próximos dois anos na ampliação do Hospital Regional do Oeste (HRO) e do Hospital Unimed, ambos em Chapecó.
O Governo do Estado lançou no final do ano passado o processo de licitação de ampliação do HRO, com custo de R$ 31 milhões. O número de leitos passará de 319 para 475.
A Unimed vai construir um prédio com dez pavimentos e 10,6 mil metros quadrados, onde abrigará Centro Cirúrgico, novas alas de internação geral e uma UTI com 10 leitos para adultos, cinco pediátricos e cinco neonatais.
Natural de Quesada, na Costa Rica, Luís Ernesto Vargas cursou Medicina na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Chegou a morar um tempo em Porto Alegre mas, depois de formado, decidiu vir para Santa Catarina. Seu primeiro emprego foi em Palma Sola, no Extremo Oeste, onde ficou um ano e oito meses.
::Na contramão dos demais profissionais
A falta de um bom colégio para os filhos o fez optar por Chapecó, onde trabalha na rede municipal e dá aula na Universidade Comunitária. Ele escolheu uma cidade que está crescendo e oferece boa estrutura para se viver e trabalhar. O médico diz que não pensa em mudar-se para o litoral:
– Não gosto do trãnsito. A cidade maior tem custo de vida maior e, no interior, a remuneração pode ser melhor para o médico.
::Entrevista – Dalmo Claro de Oliveria Secretário de Estado da Saúde
“O profissional quer condições e qualidade de vida”
O Secretário de Estado da Saúde Dalmo Claro de Oliveria falou sobre a procura dos médicos pelo Litoral e a distribuição dos profissionais no Estado. Segundo ele, o Governo do Estado não pode determinar o destino dos profissionais, pois não tem como convencê-los a ir para o interior.
DC— Quais são as providências tomadas pelo Governo de Santa Catarina para a descentralização dos médicos?
Dalmo Claro de Oliveira— Nós interferimos muito pouco nisso. Os médicos preferem estar na Capital, perto da praia, do aeroporto, da universidade. É uma série de fatores. Não temos como obrigá-los. Podemos estimulá-los. O que nós fazemos é dar mais condições aos hospitais do interior para que eles sejam mais atrativos. Estamos auxiliando hospitais regionais de referência a ter mais capacitação tecnológica.
DC —Por que três cidades, Florianópolis, Blumenau e Joinville, concentram mais médicos?
Dalmo Claro de Oliveira —São as três maiores do Estado, as mais tradicionais. Elas têm uma medicina mais evoluída e faculdades, o que ajuda na fixação de médicos. Não conseguimos contratar no interior e faltam médicos nestas regiões.
DC— O que mais atrairia o médico para o interior do Estado? Qual o orçamento para os hospitais desta região?
Oliveira— Primeiro a infraestrutura. O médico precisa, e gosta, de condições de trabalho. Depois, a remuneração. E, em terceiro lugar, a qualidade de vida. Muitos médicos preferem as cidades maiores pelas instituições de ensino. Existe orçamento para os hospitais do interior, mas não tenho os dados agora.
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